011: o Catarse tá na boca do povo
plataforma de financiamento coletivo é assunto geral nas últimas semanas
Nas últimas semanas, muito por causa do famigerado “caso do bilhetinho” da Skript, muito tem se falado sobre o Catarse nas redes sociais, bem ou mal, e até gente questionando certa “conivência”. Mas esse papo não é de hoje e muita gente já vinha discutindo há algum tempo o papel e a representatividade da plataforma no cenário nacional de quadrinhos.
Nesta toada, lá atras, ainda em outubro de 2023, entrei em contato com a equipe que administra o Catarse, solicitando acesso aos dados de projetos de quadrinhos ou a alguma API pública - uma interface de desenvolvimento onde eu pudesse coletar via programação, a fim de fazer uma pesquisa robusta sobre os projetos por lá publicados, motivado por essa pesquisa do
para o Omelete. A resposta que obtive segue abaixo:Desta forma, parti para um plano B, onde tive que desenvolver um crawler, um robô programado via Python para percorrer em cada um dos projetos da aba finalizados, pois, conforme o e-mail, era nesta aba onde encontrava-se todos os projetos que já passaram pela plataforma (exceto os cancelados). O link é esse.
Pronto, depois de alguns dias batendo cabeça, consegui coletar informações de 2.805 projetos, desde outubro de 2011 até janeiro de 2024. Informações como dono do projeto, valores de metas, local de publicação, data de publicação, taxa de sucesso e muitas outras que pretendo discutir aqui.
Mas antes de tudo…
O que é e como funciona o Catarse?
É preciso entender o que é e o que não é o Catarse para que a gente possa fazer uma análise mais embasada e qualquer tipo de crítica à plataforma.
Em temos gerais, podemos defini-lo como uma plataforma de crowdfunding, financiamento coletivo ou financiamento colaborativo, termo que teve crescimento vertiginoso após a crise econômica mundial de 2008, momento em que as pequenas iniciativas (artistas, produções culturais, pequenos empreendedores) sofreram da ausência de fontes de investimento e precisaram recorrer diretamente ao público. Grosso modo, é quando pessoas se juntam para ajudar a tirar do papel um projeto que dificilmente sairia de outra forma.
Olhando a página de Responsabilidades e Segurança do Catarse, eles se definem assim:
O Catarse é um espaço para aproximar pessoas que desejem viabilizar financeiramente determinados projetos. Aqui iniciativas inovadoras, criativas e ambiciosas tornam-se realidade a partir da colaboração direta e da confiança entre as pessoas que se identificam com elas.
A mesma página de onde foi retirada a informação acima, traz também alguns pontos importantes para o andamento do nosso papo:
O Catarse não é uma loja online;
O Catarse não faz curadoria;
E nos Temos de Uso da plataforma, eles deixam claro que:
Caso haja atraso na entrega das Recompensas, o Apoiador deverá entrar em contato diretamente com o Realizador, por meio do canal “Contato” disponível na página do Projeto que apoiou. Na eventualidade de não ter a sua demanda respondida pelo Realizador, ou a resposta não ter sido satisfatória, o Apoiador poderá acionar o Catarse para que estabeleça novo contato, de acordo com o disposto nos Mecanismos de Denúncias e Resoluções de Disputas. Caso a disputa entre as partes não se resolva, o Catarse considerará instaurada uma disputa cuja decisão estará além das suas prerrogativas, cabendo ao Apoiador recorrer aos sistemas extrajudiciais de Conciliação e Mediação ou ao Poder Judiciário para resolver a questão diretamente com o Realizador do Projeto que decidiu apoiar.
Para simplificar e resumir o texto acima: o Catarse sempre deixou claro que sua única forma de agir sobre atrasos ou não entrega de recompensas era por meio dos Mecanismos de Denúncia e Resoluções de Disputas e que caso não se resolva, cabe ao apoiador recorrer aos meios legais.
E o Mecanismo de Denúncia segue o seguinte processo:
Caso haja atraso, não entrega ou qualquer outro problema no apoio, o apoiador deve entrar em contato com o criador do projeto pela plataforma e esperar 5 dias úteis;
Se findado o prazo não houver resposta, o Catarse poderá fornecer os dados pessoais do criador do projeto para que o apoiador entre em contato de outras formas;
E se mesmo assim a disputa não for resolvida, cabe ao apoiador recorrer aos sistemas judiciais ou extrajudiciais.
Em nenhuma página do site deles foi possível encontrar qualquer outra medida de sanção, seja bloqueio de conta, bloqueio de recursos ou penalidades de qualquer outra natureza - para casos de problemas com recompensa. O único momento em que citam tais ações é caso algum projeto viole direitos de propriedade intelectual, divulgue imagens contendo nudez ou atos sexuais de caráter privado sem consentimento dos participantes ou em casos de calúnia, injúria, difamação ou discriminação de qualquer natureza.
Verifiquei também os temos de uso de outras duas plataformas e as regras seguem o mesmo caminho:
A Kickante:
A Kickante não é responsável pelo sucesso da Campanha, pela veracidade das informações apresentadas pelos Elaboradores, tampouco garante a entrega das recompensas ou a viabilidade do projeto apresentado pelos Elaboradores.
O Apoia.se:
Ao estabelecer RECOMPENSAS, o FAZEDOR assume as obrigações previstas nos artigos 854 a 860 da Lei Federal nº 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro), tornando-se diretamente responsável pelo cumprimento de sua promessa perante os APOIADORES que preencherem as condições estipuladas, sem qualquer responsabilidade, direta ou indireta, por parte da APOIA.se.
Termos Legais
Fui verificar, então, se havia alguma legislação específica para plataformas de financiamento coletivo, como há para as plataformas de e-commerce (Lei nº7962/2013), e não, não há. Existe uma lei para crowdfunding de empresas, startups e fundos de valores mobiliários, mas não se aplica aos nossos gibizinhos.
Desta forma, essas plataformas de financiamento coletivo de pequenos projetos ficam sob o guarda-chuva do Código Civil Brasileiro, mais precisamente os artigos 854 e 860 que apenas regulamentam que “quem prometeu recompensa, tem que entregar”. E quem prometeu foi o criador da campanha.
Entretanto, a equipe do Além dos Quadrinhos entrou em contato com um grupo de advogados especialistas em direito do consumidor, que nos informou o seguinte:
A partir do momento em que uma doação (apoio) é condicionada a entrega de um bem, isto é, o APOIADOR realiza o APOIO mediante a entrega de um livro e não o faria de outra forma, é estabelecida uma relação de consumo. Além disso, a plataforma é um meio para que o apoio aconteça, pois sem ela o APOIADOR não realizaria e o CRIADOR não receberia o valor referente ao APOIO. Sendo assim, existe responsabilidade solidária da PLATAFORMA e esta pode sim ser REQUERIDA em processo de danos morais e materiais, vide processo nº 1001296-60.2021.8.26.0016. Para exemplificar, citamos duas situações: uma transação de um imóvel que tem como partes uma CONSTRUTORA, uma IMOBILIÁRIA e o CLIENTE e a transação de um pacote de viagens entre uma CIA ÁEREA, uma AGÊNCIA de TURISMO e o CLIENTE. Em ambos os casos, ocorrendo anomalias (atraso na obra ou cancelamento do voo), os meios (IMOBILIÁRIA e AGÊNCIA DE TURISMO) tem responsabilidade solidária nos processos, assim como a Plataforma de Financiamento Coletivo deve ter.
E continua:
Quando informa nos Termos de Uso que não é uma loja online, a afirmação se enfraquece quando a FINALIDADE DA CAMPANHA torna-se RECOMPENSA, isto é, aquilo que é APOIADO é o que vai ser entregue ao APOIADOR, bem como uma transação em um e-commerce ou marketplace. Caso diferente de quando uma campanha de financiamento coletivo é criada para custear o tratamento de uma doença de um individuo, por exemplo, pois as recompensas são simbólicas e quem receberá o tratamento/cura é apenas o criador do projeto. Quando se financia coletivamente um livro e o mesmo livro é a recompensa, a plataforma deve ser julgada sob os termos da Lei do E-commerce.
Contudo, surge então outra área cinzenta: a tributária.
Os Termos de Uso das plataformas de financiamento coletivo tentam se isentar da responsabilidade solidária porque parte do pressuposto que a intenção de quem faz a doação não é adquirir a recompensa, e sim apoiar o projeto. Por esse mesmo motivo, os Informes de Rendimento fornecidos aos criadores das campanhas leva em consideração que os valores devem ser declarados no Imposto de Renda como “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis” no campo “Transferências Patrimoniais - Doações e Heranças” que, como o nome já informa, são isentos e não tributáveis.
Entretanto, segundo Solução de Consulta DISIT nº 10.014/2020, a Receita Federal esclarece que a imunidade tributária conferida a livros, jornais e periódicos aplica-se somente ao IPI e ICMS, não incluindo o Imposto de Renda devido em decorrência da exploração de atividade econômica relacionada a esses bens.
Em linhas gerais, o “financiamento coletivo” de livros e quadrinhos, por condicionar o apoio à entrega de uma recompensa, torna-se uma relação comercial de venda e, por este motivo, tanto a plataforma tem responsabilidade solidária sobre a transação, quanto a transação deve sim ser tributada no Imposto de Renda.
E é por isso que deve-se ter bastante cuidado ao criar campanhas nestas plataformas e moderar o uso e a frequência para não fazer delas a sua loja própria.
Os Dados e Informações da Pesquisa
Bom, agora que tiramos o primeiro elefante da sala, vamos ao segundo: destrinchar os dados coletados pelo nosso crawler.
Na data mais recente que rodamos o código, foram coletadas informações de 2.805 projetos finalizados entre outubro de 2011 a janeiro de 2024, ou seja, que foram publicados na plataforma e chegaram ao seu prazo final, com meta atingida ou não. Os projetos que foram cancelados por quaisquer motivos, seja por decisão do criador ou do Catarse, não entram na conta pois são dados protegidos pela LGPD.
Alguns projetos estavam com dados inconsistentes, por exemplo, mais de 1.000 dias online, e por isso foram retirados da análise. São os famosos outliers. Sendo assim, depois da limpeza restaram 2.776 projetos para serem analisados. São R$ 34.646.409 movimentados neste mercado e neste período.
Para organizar o storytelling da nossa pesquisa, vamos adicionar algumas perguntas como tópicos, que será respondida com um gráfico e alguns comentários. E pra começar:
Como anda o volume de projetos no Catarse, por ano?
Como o gráfico acima mostra, o cenário nunca esteve tão aquecido. A pandemia até afetou a quantidade de campanhas em 2020, mas o número voltou a crescer em 2021 e atingiu seu máximo em 2022 - ano em que tivemos a desejada volta dos eventos presenciais (em 2020 e 2021 a CCXP foi on-line e não houve FIQ).
Há também uma pequena queda em 2023, mas podemos considerar como uma “volta à normalidade”, que ocorreu também em outros mercados: depois de muita demanda represada na pandemia e um ano de 2022 forte, o mercado se ajusta.
Existe mesmo um “engarrafatarse” por conta dos eventos?
O
cunhou esse termo genial na sua coluna no Omelete para ilustrar um sentimento que circulava no senso comum: perto dos eventos sempre é onde existe a maior quantidade de campanhas publicadas. Verificamos:Olhando para os anos entre 2018 e 2023 (exceto 2020 e 2021 que não houveram eventos), podemos afirmar que o senso comum está correto: a quantidade de projetos iniciados sob efeito dos eventos aumenta de forma exponencial. E ainda podemos observar duas coisas interessantes: o “efeito FIQ” ainda está bem abaixo do “efeito CCXP” e o “engarrafatarse” está começando cada vez mais cedo. Antes, começava em agosto. Agora, já tem projeto entrando em abril/maio visando ser lançado na CCXP.
Com mais projetos no “engarrafatarse”, a taxa de sucesso muda?
A resposta pra essa pergunta é: estatisticamente não. Não há correlação negativa entre a quantidade de projetos publicados e a taxa de sucesso. Por exemplo: Em setembro de 2022 foram publicados 66 projetos e 94% deles bateram a meta, enquanto em agosto foram publicados 46 projetos e a taxa de sucesso foi de 80%.
No “efeito CCXP” de 2019 até houve uma queda, mas não foi observada em outros anos e, por isso, não sustenta a tese negativa.
De onde vem a maioria dos projetos e qual a taxa de sucesso de cada estado?
De 2012 pra cá, o estado de São Paulo lidera o ranking com 1.363 projetos publicados (49% do total), seguido por Rio de Janeiro com 311, Rio Grande do Sul com 244 e Minas Gerais com 186. O estado do Nordeste com maior uso da plataforma é o Pernambuco, com 101 projetos e da região Norte é o Amazonas, com 18.
Falando de Taxa de Sucesso e considerando apenas estados com mais de 10 projetos publicados, Amazonas e Espirito Santo são os que mais sofrem, com 39% e 41% de sucesso, respectivamente. São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco são os líderes com 84%, 85% e 81% na ordem.
Quanto tempo em média um projeto fica ativo?
52 dias em média. A maior parte, 1.216 projetos, ficou online entre 46 e 60 dias. Menos de 10% das campanhas das campanhas ficou no ar mais tempo do que isso.
O tempo ativo afeta a taxa de sucesso?
Pra responder essa pergunta vamos olhar apenas para projetos “tudo ou nada”, ou seja, aqueles projetos que só são considerados “sucesso” caso atinjam a meta. Não vamos considerar projetos “flex” pois qualquer quantia levantada já seria suficiente e isto quebraria a nossa lógica.
Os 1.339 projetos “tudo ou nada” do Catarse estão distribuídos conforme o gráfico acima. E a taxa de sucesso é bastante impactada: 0 a 15 dias de prazo é pouco, só 55% das campanhas atingem a meta e 46 a 60 dias é muito, 57% de sucesso.
O caminho das pedras parece ser entre 31 e 45 dias.
Qual a meta média de um projeto no Catarse?
Em média, as campanhas configuram um valor de R$ 11.223,88, distribuídos conforme o gráfico abaixo:
66% das campanhas tem até R$ 10.000 como meta e a quantidade vai diminuindo. Ou seja: a maior parte dos projetos são mesmo pequenos projetos.
Mas vale separar o seguinte: a média dos projetos flex é de R$ 9.712,69, enquanto a de projetos tudo ou nada é de R$ 12.846,79. Essa informação pode ser relevante para o tópico a seguir.
Quem tem as maiores metas da plataforma?
Entre os players mais significativos (maior quantidade de projetos e valores levantados), Carlos Ruas tem meta média de R$ 83.750 por projeto, seguido pela Figura com R$ 58.880 e a Skript vem na lanterna com R$ 3.027 por projeto.
A meta afeta a taxa de sucesso?
Para responder essa pergunta, vamos primeiro seguir o raciocínio anterior de verificar apenas projetos “tudo ou nada”.
Pouco, mas afeta. Saímos de uma taxa de 64% na faixa dos R$ 10.000 para 58% quando a meta flutua entre R$ 20.000 e R$ 30.000. Quando passa de R$ 30.000 a taxa sobe para 62% mas existe um viés ali: grandes produtores como Figura, Risco e Chiaroscuro (Narrativas Periféricas) e Carlos Ruas se encontram nessa faixa, com meta média de R$ 71.500,00 - todas atingidas. Se os tirarmos da equação, a taxa cai para apenas 50%.
Quais são as 5 maiores campanhas da história do Catarse?
Confinada (Editora Todavia): arrecadou R$ 615.143,61 contra uma meta de R$ 69.000,00;
De Onde Viemos (Carlos Ruas): arrecadou R$ 589.322,07 contra uma meta de R$ 70.000,00;
O Livro dos Pássaros (Lark): arrecadou R$ 528.764,52 contra uma meta de R$ 32.000,00;
Arlindo (Editora Seguinte): arrecadou R$ 385.603,24 contra uma meta de R$ 84.736,00;
Bíblia Gatólica e o Livro Pacão (Carlos Ruas): arrecadou R$ 385.603,24 contra uma meta de R$ R$ 150.000,00;
Quem são os maiores arrecadadores do Catarse?
A Figura é líder de arrecadação com R$ 2.601.731,53 levantados em 25 projetos (média de R$ 104.069 por projeto), seguido da Skript com R$ 2.175.556 em 188 projetos (média de R$ 11.672 por projeto) e pelo Carlos Ruas com R$ 2.136.131 em 8 projetos (média de R$ 237.347 por projeto, a maior do Catarse).
E quem mais produz projetos para o Catarse?
Vamos olhar agora para quais editoras ou autores mais criam projetos na plataforma e como é o uso: metas, prazos, modalidades e o que mais der pra investigar. Temos o seguinte cenário:
Conforme o gráfico acima deixa bem claro, a Skript é a líder do ranking de projetos criados desde 2011. São 188 projetos, sendo 185 “flex” e apenas 3 “tudo ou nada”. A editora é seguida pela Tai com 38 projetos, Quadriculando com 33 projetos, IndieVisível com 29 projetos e Figura e Draco com 25 projetos cada.
O que chama a atenção neste caso é que se somarmos a Tai, Quadriculando, IndieVisível, Figura, Draco, Ultimato do Bacon e Red Dragon, temos 193 projetos. Somente 5 a mais que a Skript sozinha.
Sendo assim, vamos olhar a Skript mais de perto e analisar suas campanhas.
Como estão configuradas as campanhas da Skript?
Como dito acima, das 188 campanhas da editora, apenas 3 foram na modalidade “tudo ou nada”: Última Chamada: As Coisas Simples, Prodígio - 80 Anos do Robin e Última Chamada: Cassidy Vol. 1. E duas coisas unem essas 3 campanhas: uma meta de apenas R$ 500,00 e menos de 30 apoios (7, 22 e 11 respectivamente). Duas delas ainda são “últimas chamadas”, prática que, depois das recentes polêmicas, agora é proibida pelo Catarse.
Quando olhamos para as 185 campanhas na modalidade flex, 170 tinham uma meta inferior a R$ 5.000, com uma média de R$ 2.408,96. 54 destas 170 tinham meta de R$ 500,00 ou menos. Uma campanha tinha R$ 23,00 de meta - arrecadou R$ 5.491, atingindo 24x o valor da meta e se tornando a 4º maior campanha em atingimento de meta no Brasil rs.
As metas da Skript são baixas porque os prazos são curtos?
Não é uma afirmação verdadeira. Apesar de ter diminuído os prazos nos últimos 2 anos, uma campanha da Skript ainda dura em média 28 dias, contra 81 dias de média entre 2018 e 2022 - dentro da faixa ideal de prazo que citamos em um dos tópicos anteriores.
As metas da Skript sempre foram baixas?
Também não é possível afirmar isso. Se separarmos os 6 anos de editora em 3 períodos de tempo, percebemos que as metas vem ficando mais baixas com o tempo: no período 2018-2019 a meta média era de R$ 7.073; entre 2020-2021 a média era R$ 3.216; e entre 2022-2023 a média cai para R$ 1.915.
Qual a possível causa da redução média das metas?
Saldões e “segundas chances”. A primeira campanha da editora sob estes moldes foi em fevereiro de 2020 com o título “Carnaval Skript” com vários títulos com 60% de desconto e uma meta de apenas R$ 1.000.
Desde então, a prática se tornou recorrente na editora. “Saldão Skript”, “Jornalismo Skript”, “Halloween Skript”, “Skript 2020”, “Indicados ao HQMix” e “Mês Queer” são alguns dos títulos utilizados em campanhas de “financiamento coletivo” que visavam queimar estoques a 60-70% de desconto.
Foram 70 projetos publicados no Catarse exclusivamente dedicados a “saldão” ou “segunda chance” de algum título. Quase 40% do total de projetos da editora.
No total da plataforma, foram 84 campanhas neste formato, entre todas as editoras e autores. 70 da Skript, que foi a pioneira, e o primeiro “seguidor” surgiu apenas depois que a editora há havia feito pelo menos 16 publicações desta forma.
E quando falamos “exclusivamente”, quer dizer que nem levamos em consideração as campanhas que anunciavam um livro e que continham as agressivas promoções. Por exemplo, em um dos 3 únicos projetos tudo ou nada citados acima (Prodígio - 80 Anos do Robin), apenas 9 apoios dentre os 22 foram de fato para o livro principal da campanha. Os outros 13, a maioria, foram apoios em outros quadrinhos que estavam na mesma campanha, mas em promoção.
Conclusão
Para iniciar, é importante ressaltar que o objetivo do estudo não foi de atacar e nem apontar o dedo para ninguém, apenas dar luz aos dados que estão públicos e disponíveis para todo e qualquer usuário do Catarse. Tentamos discutir alguns pontos importantes que estão sendo comentados na gibisfera recentemente, bem como trazer alguns dados que julgamos interessantes tanto para os leitores, quanto para os produtores de campanhas.
O primeiro ponto importante que podemos concluir com o estudo é: se o principal objetivo de plataformas como Catarse é o de “financiar coletivamente iniciativas que dificilmente seriam financiadas de outra forma”, é justo afirmar que um projeto com meta de R$ 500,00 ou R$ 1.000,00 está totalmente fora do escopo indicado - quando se trata, principalmente, de criadores de campanha que não estão iniciando do zero e que já tem fluxo de caixa suficiente para fazer os seus lançamentos sem depender destas ferramentas.
Além disso, bloquear campanhas do tipo “saldão” e “segunda chance”, conforme afirmado nesta nota publicada no Reclame Aqui, é uma ótima forma de retomar as rédeas da situação e colocar o trem nos trilhos do seu objetivo principal. Porém, acreditamos que o Catarse poderia pensar em outros mecanismos para garantir que seu objetivo como plataforma de crowdfunding seja cumprido da forma correta, como por exemplo: uma editora que já arrecadou, somando seus 188 projetos, no mínimo R$ 2.175.565, precisa de financiamento coletivo? Desta forma, é importante que a administração da plataforma discuta a possibilidade de retomar uma curadoria nos projetos, seja triando todos as novas campanhas ou estabelecendo uma rotina com alguns gatilhos.
O Catarse é uma importante ferramenta para o cenário nacional de quadrinhos. Mais de 350 HQs, a maioria nacional, nascem a partir da plataforma. É onde surgem os lançamentos dos eventos, os quadrinhos que concorrem ao HQMix nas categorias independentes, é ali onde tudo cresce. Desde que usado da maneira correta.
Ah, e considere também conferir a nossa campanha do Apoia.se e deixar sua contribuição para tornar o Além dos Quadrinhos mais forte!
Até a próxima semana e boas leituras.
Forte abraço!
Baita levantamento!
Tu teve que raspar os dados! Esse tipo de encrenca sempre sobra para devs!