Fala, Helê 👩🏾🦳
Numa semana particularmente difícil, nas diferentes esferas da vida, essa imagem me quebrou. Chorei junto, queria interromper a entrevista com um abraço demorado, cochichar no ouvido dele: “Volta pro Mengão, Vini, que a gente parte a cara do primeiro FDP que olhar torto pro teu segurança - imagina pra tu!”
Queria estar lá, ao lado dele, porque tão revoltante quanto o brutal racismo espanhol é a esmagadora solidão do Vini Jr. No time, não tem um companheiro a cerrar punhos com ele. O técnico já vi fazer pronunciamentos duros, mas o clube se limita a notas oficiais tão eficientes quanto as desculpas de famosos que deixam o racismo à mostra no cotidiano de um reallity.
E a CBF promove um questionável jogo na Espanha - então desrespeitam um jogador nosso e vamos lá nos apresentar para eles?! - e coloca Vini Jr. sozinho para dar entrevistas sobre um problema que é do Dorival, do time, da confederações, da Fifa, da ONU, de todas as pessoas e instituições verdadeiramente antirracistas. O Vini, além de vítima, tem que ser seu próprio defensor e herói. Sozinho.
O racismo, esse sistema complexo de exclusões e rejeições, provoca em nós, negras e negros, um número ainda não totalmente catalogado de dores, entre elas a solidão. Que nos atinge de diferentes maneiras, não poupa ninguém, embaça nossa alegria. O isolamento - real, figurado, sutil, forçado, qualquer um - é ferramenta usada há séculos para minar nossas forças. E o Vini Jr não deveria estar sozinho, em nenhuma ocasião, falando de agressões que deveriam causar reações contundentes e imediatas de todos os que dizem condená-las.
Ao invés disso o que se faz? Campanha. Assessores de imprensa, profissionais de marketing ou seja lá quem estiver recebendo para criar “campanhas” para a CBF: melhorem, muito. “Uma só pele, uma só identidade” significa exatamente o quê, meu pai? Se desde cientistas sérios até as falsianes do mundo corporativo falam da importância da diversidade, vocês acham mesmo que a exaltação de uma unidade inexistente vai agregar a pessoas, e mais, fazê-las abandonarem o ódio colonial que demostram sem pudor nos estádios? O chamado à homogeneidade que apaga diferenças é, aliás, um conhecido aglutinador de preconceitos e preconceituosos. Temos peles de múltiplos tons e identidades ainda mais diversas - e é exatamente a multiplicidade que deve ser exaltada. (Além de ruim, mal-feita. Faça um teste: entre no site da CBF e digite o nome da campanha. Nas vezes que tentei, ocorreu sempre um “erro inesperado”. Deve ter sido a campanha mais curta da história do futebol) .
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Também nesta semana, o site The Players Tribune publicou uma carta do menino Endrick - que, aos 17 anos, já joga com o passaporte no bolso, vendido para o mesmo time de Vini Jr. Ele escreve para o irmão de quatro anos, que tem a sorte de crescer na melhor fase financeira de uma família que tentou, por gerações, realizar o sonho de vencer no futebol. Virar profissional, em um grande clube, trouxe, junto com alegria, um enorme alívio para Endrick. Uma sorte que a mistura de sonho e fardo não tenha atrapalhado sua ascensão.
De início, eu achei que a carta seria mais um lance qualquer de marketing, já que estamos falando desse mundo em que ninguém espirra sem patrocínio e pretensa assessoria. Mas aceitei a indicação da minha filha e, claro, houve revisões e edições, mas dá pra ver que o texto é genuíno; vale a pena a leitura. A carta é uma retrato doído do Brasil, de milhões de brasileiros, e tem lances interessantes, alguns divertidos, outros dramáticos. Um dos que mais me marcou foi, já no final, quando ele diz ao irmão:
“Mas agora você pode fazer o que você quiser. Você pode ser médico ou advogado, ou talvez, já que vamos para a Espanha, no país de Nadal e Alcaraz, você pode se tornar um tenista profissional. Você já está correndo atrás da bola, como eu. Então você pode ser jogador de futebol, se quiser.
Nenhuma família deveria precisar lutar tanto, por tanto tempo, apenas para que suas crianças possam ser o que quiserem.
Tomara que Noah, ao escolher o que quiser, possar exercer plenamente seu desejo. Sendo preto, sempre haverá um obstáculo a mais, um esforço adicional. Mesmo alguém como Vini Jr, extraordinário no que faz, precisa de uma concentração excepcional - não para enfrentar marcadores desleais ou defesas impenetráveis, mas para não ouvir o urro bestial de torcidas racistas impunes. É com uma tristeza dilacerante que ele afirma: “Eu só queria jogar bola”.
Parabéns pelo texto, muito assertivo.
Abraço apertado, querida. Texto muito necessário!