O meu estranhamento começou quando uma influencer gravou a tela do cinema no meio do filme para as stories, com spoilers de Oppenheimer. A primeira coisa que pensei foi que ir ao cinema logo se assemelhará aos shows - as pessoas vão assistir ao que está acontecendo bem ali na frente delas pela tela do celular.
Depois veio a crítica de cinema de Instagram dizendo que não resenharia Oppenheimer porque já havia gastado três horas no cinema, “não gastaria mais tempo num post”. No intervalo de um mês entre o lançamento do filme no Brasil e na Itália, soube mais sobre a duração do que a qualidade de Oppenheimer. Todo mundo que assiste precisa enfatizar. TRÊS. HORAS.
No cinema que frequentamos em Cagliari (mas imagino que seja um costume no país), as sessões têm um intervalo de cinco minutos na metade do filme. Chegamos à conclusão inicial de que o motivo era a quantidade de italianos que são fumantes e precisavam de uma pausa para um cigarro.
Depois, comecei a achar que era para as pessoas olharem o celular. Nem a possibilidade que o cinema é era capaz de proporcionar de esquecer o mundo por duas, três míseras horas agora nos faz desgrudar do aparelho.
Onde foi parar nosso foco?
No fim, conseguimos ficar o dia todo encarando a tela do celular, mas três horas no cinema é coisa demais, não porque o filme é ruim* (acho que isso nem importa, na verdade), mas por causa da abstinência.
O tempo passa diferente nas redes sociais
Para mim, Instagram é ao mesmo tempo uma enorme fonte de ansiedade e uma forma de me manter em contato com pessoas. Às vezes fica difícil conciliar os dois - aceito o vício para acompanhar meus amigos ou faço um jejum de redes, mesmo que isso me acarrete uma sensação estranha de isolamento?
Eu travo uma batalha constante para diminuir o uso do Instagram, porque uma vez ali dentro, eu sou sugada e o tempo passa num piscar de olhos. Três horas não são nada nas redes sociais. Na "vida real", eu volto a sentir cada segundo. É como sair de um transe.
Num ímpeto de superproteger nossos planos até que eles dessem certo, eu não falei abertamente no Instagram sobre o nosso processo de mudança, que levou praticamente um ano. Imagino que para as pessoas que só têm contato comigo pelo Instagram, "do nada", eu estava morando em outro país. Assim como, "do nada", uma conhecida distante tinha um filho de dois meses quando entrei na minha conta pessoal depois de quase um ano.
O que acompanhamos é só um espectro.
"FOMO é um dos sintomas de alguém que tem alguma dependência tecnológica. (…) A gente pode estar perdendo qualquer coisa - o que aconteceu na vida do famoso, que a minha amiga postou que foi pedida em casamento, que o meu filho de repente me ligou e precisou [de mim]. Com o celular e essa conexão que ele faz a gente ter com o mundo, a gente basicamente está perdendo o tempo inteiro um milhão de notícias, de coisas. A gente não se acostuma com esse desconforto de "eu estou perdendo" - [coisas] importantes e não importantes. Mas se for muito urgente, alguém vai dar um jeito de me encontrar."
A psicóloga Alana Anijar no episódio Cansei de ficar on do podcast É nóia minha, da Camila Fremder.
Pequenas aleatoriedades da vida
Em 2010, fui sozinha ao cinema pela primeira vez para ver Inception, lançamento do Christopher Nolan na época. Foi durante o intercâmbio de au pair e, como estava nos EUA, a sessão foi em inglês sem legendas. Sendo Inception o filme que é, obviamente não entendi tudo e depois precisei alugar para assistir de novo legendado. Naquela época ainda não tinha plataforma de streaming e Netlix era uma máquina de aluguel de DVDs.
Treze anos depois, Erick e eu assistimos ao último lançamento do Christopher Nolan, Oppenheimer, nos cinemas na Itália com áudio original e legendas em italiano. Mais uma confusão mental.
*Diferente de Inception, não gostei tanto de Oppenheimer quanto achei que gostaria. As três horas, inclusive, pareceram pouco tempo para a quantia de história que Nolan quis contar. Talvez se tivesse focado em um pedaço ou aspecto específico da vida do físico (a criação da bomba, seu relacionamento com Kitty ou a investigação sobre seu suposto envolvimento com o comunismo), o filme fosse mais interessante ou menos “frenético”. O ritmo acelerado me incomodou - parece que nem dá tempo de aprofundar diálogos, aí tudo fica meio superficial.
Ainda assim, para mim, valeu a sessão por causa da atuação de Cilian Murphy e Emily Blunt e as cenas com o Einstein.
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I'm too old for this s#*t, post da Aline Valek