A história que nossa casa conta
Staging x Styling | Estudo de caso: A cobertura de Donna Karan em NY
Assim que escrevi o título do texto, me ocorreu que um dos meus contos preferidos sempre foi o da Pastora e o Limpa-chaminés (1845), do autor dinamarquês Hans Christian Andersen. Era uma história sobre dois bibelôs de porcelana chinesa que se apaixonam, mas tem seu romance ameaçado por um monstrinho feito em mogno (na lareira? no relógio? Não me lembro, mas era algo assim). Ao longo da narrativa outros personagens ganham vida.
Porquê eu lembrei dessa história? Nossa casa não é como uma fábula na qual objetos inanimados ganham vida, no entanto, os objetos contam por si só uma história. Dei um livro de arquitetura para crianças para minha afilhada que se chamava: “Pela casa se conhece o dono”, e eu adoro esse título pois é muito honesto.
Muito de comenta que a forma como a casa está (organizada ou bagunçada) reflete o estado interior da pessoa. Muitos já comentaram a respeito. Hoje, quero comentar um apartamento que eu acho super didático (apesar de não ser recente) em termos de apresentar o habitante que ali reside, e também, como exemplo de lugar que pode ser facilmente transformado pelo interior styling. Além disso, o apartamento foi retratado por três fotógrafos diferentes, ou seja, temos olhares diferentes em anos diferentes, durante sua concepção, em 2004 e posteriormente em 2015.
O apartamento de Donna Karan em NYC
Charles Eames, o arquiteto, disse uma vez: "The details are not the details. They make the design". Esta foto retrata parte de um projeto que uniu dois apartamentos no primeiro edifício Art Deco na Central Park West. Feito pra dupla de arquitetos Dominic Kozerski and Enrico Bonetti, o projeto, feito na cobertura de um edifício que data de 1929. Segundo os arquitetos, em seu site, o programa de necessidades incluía “espaços de entretenimento, áreas privativas e de serviço”.
Eu escolhi falar deste imóvel pois acho que ele nos apresenta algumas possibilidades de análise, como, por exemplo, a mudança do espaço de acordo com o styling em uma arquitetura (muito bem) pensada para ser elegante e atemporal.
“The palette of materials – travertine, dark stained teak and Venetian stucco – is natural and neutral but warm and tactile.”
Espaços para receber: antes e depois do styling
Quando eu digo que esse apartamento e o material acerca dele é muito didático, eu falo sério, a junção das fotos acima poderia ilustrar a diferença entre staging/styling, ou seja, a “despersonalização” e a “personalização” do ambiente. É muito mais fácil que a maioria das pessoas se identifique com o apartamento como está na esquerda do que como está na direita. Um exemplo: não é indicado deixar vestígios pessoais, como fotografias, quando um apartamento está em exposição. Além disso, apesar de ser uma paleta de cores neutra, a parede preta pode ser considerada “ousada” por alguns.
No hall percebemos a diferença do espaço não apenas com a inserção do “Venetian stucco” (uma espécie de textura) na cor preta, como também com a luminosidade ao longo do dia. A escolha da escura escura não apenas contribui para a redução da luminosidade no espaço, como também cria uma linearidade, atraindo o olhar. Percebe-se que o aparador chinês conta uma história acerca do espaço que estamos prestes à adentrar. Já nos dá indícios dos gostos da pessoa que ali habita, no caso, a designer de moda Donna Karan. É interessante notar que o gosto dela por orquídeas brancas permanece nas fotos. Novamente, em termos de staging/styling, até o cachorro deve ser levado em conta. Acredite, é muito mais fácil alugar/vender um imóvel que não contempla fotos de animais domésticos.
Na sala é interessante perceber como o contraste traz um peso visual para o espaço, enquanto as obras de arte fazem com quem nosso olhar vagueie pelo cômodo. O carpete limita o reflexo de luminosidade na sala, além de delimitar uma área destinada à uma função específica: o um ambiente para conversas. Pode-se observar ao fundo que o outro sofá é branco e quase se mistura à parede.
Áreas privativas: stylings diferentes
Estamos falando de um projeto que tem quase duas décadas. O interessante é percebemos como o espaço pode ser facilmente atualizado, fazendo apenas algumas mudanças. Em alguns sites, como neste artigo da Vogue no qual eu encontrei as fotos de François Harland, o apartamento é chamado de “o apartamento zen de Donna Karan”. A estilista é budista, inclusive ela tem a Urban Zen Initiative, uma fundação que busca promover a importância dos cuidados com a saúde.
É possível perceber que ela é adepta da filosofia Zen pelas obras e imagens que encontramos em diferentes partes do apartamento, além de presumirmos que é possivelmente budista pela foto com sua santidade o Dalai Lama.
Ao observarmos o quarto, vemos que outros objetos também contam parte da história da casa; há porta retratos, livros, obras de arte. Há um Buddah e outros itens que parecem ter sido colecionados com o passar dos anos. A casa é como o nosso guarda-roupas, ela vai mudando de acordo com as mudanças que passamos. Afinamos nosso estilo e isso vai ficando mais e mais evidente de acordo com o nosso autoconhecimento.
Acima, no banheiro, achei curioso que na primeira foto, feira para o ensaio da Vogue, aparece o arranjo que anteriormente estava disposto na sala. Foi feito um staging para a sessão de fotos, não há personalizações mas há o convite para a imaginação de uma vida ali. Já na segunda foto, percebemos a personalização do espaço, mais próximo do que parece ser na vida diária. Talvez exista um styling assim? Possivelmente, mas já vemos o Buddah, um arranjo de orquídeas, que pela outras fotos parecem ser uma preferência da moradora… a torneira não está aberta.. Para exemplificar, sob a forma de uma aproximação, a primeira foto ficaria ótima em um portfólio do escritório, um anúncio de venda ou uma revista de arquitetura, enquanto a segunda, em uma revista de lifestyle.
Não poderia acabar sem mostrar uma seleção de diferentes fotos. É belíssimo o olhar de Richard Powers nesta sessão que encontrei na Yatzer; a atenção aos detalhes, e a forma de mostrar as histórias que este apartamento conta sobre sua moradora. É possível, pela foto da maca, dos Buddahs e de outros detalhes, perceber como ela é possivelmente uma adepta da visão holística da saúde. Pelo mobiliário, vemos que ela gosta de antiguidades, o que pode nos gerar pequenas curiosidades: será que ela garimpou em algum lugar? será que trouxe tal peça consigo de uma viagem? Pela arquitetura, entendemos a preferência pela atemporalidade. Pelo styling, podemos perceber sua personalidade e um pouco de sua história.
Devemos lembrar que Donna Karan criou a Essenciais Line, uma espécie de closet cápsula com peças que podiam ser combinadas entre si, criando um guarda-roupa completo e o mesmo aparenta ser possível de ser feito em sua casa.