Descansar o olhar para testemunhar a beleza
Errata: Antes de ler a edição de hoje, peço desculpas por um equívoco que aconteceu no começo da semana. Escrevo envergonhada pois, sem querer, encaminhei por e-mail um post repetido ao invés de apenas postá-lo para arquivá-lo na sessão correta.
Estava trabalhando num texto com várias referências bonitas chamado: “Testemunhar a beleza”, mas acabei me perdendo um pouco nele. Eram tantas referências bonitas e algumas tão profundas... Tudo começou com um ditado turco que falava “em um mundo que perdeu a beleza, eu testemunhei você”. Daí eu ouvi uma frase de James Baldwin que fez com que eu mudasse completamente a minha interpretação do ditado. A frase era sobre como o amor é espelhar a luz do outro, coloco a citação abaixo pois eu acho que vale a pena compartilhá-la.-
“Quanto mais eu vivo, mais profundamente aprendo que o amor - seja o que chamamos de amizade, ou família, ou romance - é o trabalho de espelhar e ampliar a luz de cada um. Trabalho delicado. Trabalho constante. Trabalho que salva a vida naqueles momentos nos quais a vida, a vergonha e a tristeza ocultam a nossa própria luz de nós mesmos, mas ainda há uma pessoa amorosa com um olhar nítido para refletí-la de volta. Em nossos melhores momentos, nós somos essa pessoa para o outro”
James Baldwin
Então me perdi em memórias lembrando desta instalação de arte, de Teresita Fernández, que fala de luz e impermanência. Lembrei da beleza de um primeiro encontro que tive bem ali e como foi difícil ouvir algo um tempo depois. E então, eu entendi o porquê de “Vidas Passadas” ter mexido tanto comigo e reaberto uma lembrança que estava guardada há uns 5 anos.
A instalação, “Autumn (… Nothing Personal)”, me levava de volta ao texto de Baldwin, que trazia um diálogo com a “luz nunca se repete” de Burle Marx. E, facilmente, pensando entre o que seria o amor e esse reavivamento de tantas memórias, eu trazia o soneto XIV do Bardo que dialoga com Platão e também com uma frase de Victor Hugo que li a há 20 anos atrás - tudo basicamente sobre beleza e verdade. Ao mesmo tempo, eu queria falar sobre beleza, que me leva a falar sobre arte e, em especial, como o nosso olhar consegue guardar os mínimos detalhes de um espaço, mesmo que a gente não se lembre tanto.
Sabe, minha primeira aula de Historiografia da Arquitetura Moderna, lá em 2018, o professor pegou uma caneta e apontou um Flip chart dizendo: eu quero que alguém desenhe o projeto de Chandingarh. Eu gelei. Eu não sabia desenhar o projeto completo… era enorme. Eu sabia desenhar o monumento, talvez uma parte do congresso. Sabia desenhar o mobiliário. Enfim, eu ainda não sei desenhar a Chandingarh que eu conheço dos livros, talvez soubesse se a tivesse experimentado, mas eu consigo descrever de olhos fechados cada detalhe da instalação que eu mencionei.
Nós sabemos/armazenamos aquilo que nos marcou de alguma forma; que é importante para nós. O que mais me impacta quando leio sobre neuroarquitetura é a nossa capacidade de conseguir descrever locais onde passamos por experiências. É como se nosso olhar ficasse com atenção plena captando cada detalhe da experiência.1
Acontece que eu queria dizer tantas coisas no texto que estava escrevendo, que perdi em meio as palavras, em um momento eu até congelei, assim como congelei naquela aula lá em 2018. Encontrei-se então em meio as inúmeras citações que eu queria apresentar, e tantos fragmentos de textos que foram passando por mim e dialogando com algo que eu queria muito expressar mas não consegui. Tentei então escrever outro texto, sobre coleções no décor e viagens, e outro e mais outro que foram abrindo inúmeras abas não só no meu navegador, mas também em mim. E o meu pensamento foi rapidamente voltando para o texto inicial investigando o porquê de eu querer continuá-lo, mas palavras me faltavam - e eu então me senti como aluna de doutorado de novo. Sempre quando isso me acontece, sigo um exercício com algumas perguntas, 35 para ser mais exata… será que deveria compartilhá-lo aqui? Pensei.
Acho que preciso testemunhar a beleza daquilo tudo um pouco mais antes de conseguir desfazer o emaranhado de todos os pensamentos que estavam envolvidos ali para então conseguir tecer um texto bonito ou então, apenas “enrolar os fios e guardar o novelo” para quando outra ideia parecer. Acho que saber nossos limites em momentos assim, e reconhecer que não é o momento de escrever algo, é uma grande prova de maturidade - e que poucos entendem. A escrita não é um produto pronto, ela tem um tempo de maturação, mesmo que interna. Prefiro deixar decantar e absorver o que li e senti antes de continuar.
Neste final de semana, vi, por acaso, um filme chamado “Surprised by Oxford”. Escolhi pensando ser um romance fofo com a Biblioteca Bodleiana como cenário, mas não.. era baseado na autobiografia homônima de Carolyn Weber (née Drake) primeira reitora do St. Peter’s College em Oxford. O título dialoga com o título do livro de memórias de C.S. Lewis, que também foi professor de Oxford, “Surprised by Joy”, no qual ele comenta sua conversão ao cristianismo estando dentro do ambiente acadêmico. O mesmo se passa com Caroline ao longo do filme/livro, daí o título.
Interessante que em uma das cenas ela faz uma interpretação de um texto de uma forma tão complexa, que o professor a alerta que era algo tão mais simples, o que acontece. Realmente, tendemos a complicar as coisas - eu até me lembrei da aula que comentei semana passada na qual terminamos falando sobre Win Wenders a discussão era tão mais simples do que o paradoxo no qual nós alunos nos enveredamos. Em uma cena, Carolyn pede extensão de um prazo para concluir um texto. Embora isso não fosse uma possibilidade na minha Alma Mater, vi acontecer quando estive em outro ambiente acadêmico e só de existir esta possibilidade, isso diz tanto, sabe?
Fiquei tão impressionada com a quantidade de citações de literatura no filme, que eu tive que ver o filme mais uma vez pra absorver tudo. E depois, pesquisei pelo livro e li um review no qual comentava-se que a riqueza do livro era, em parte, pela quantidade de referências literárias que ela apresenta. Fiquei curiosa e comecei a ler não sua autobiografia e a de Lewis também. O que me chamou a atenção na de Lewis, logo no começo é que ele menciona que em sua infância não havia encontro com a beleza, ou com a arte, e ele reforça isso umas três vezes, mas lembra-se com carinho dos livros nas estantes dos pais, e que tinha muito de alegria momentânea e prosaica. E, aos poucos, começa a contar como testemunhou a beleza das coisas.
“Não há como a inspiração possa ocorrer desvinculada de uma elaboração já em curso, de um engajamento constante e total, embora talvez não consciente”
Fayga Ostrower Criatividade e Processos de Criação (2012).
Para finalizar, vou deixar 3 posts que me inspiraram esta semana aqui. (1) Este, sobre a influência das cores - quase uma meditação guiada - do @MoMA. (2) Este sobre inspiração e processos de criação de @umtetoseu - no qual conheci essa citação de Fayga Ostrower (acima). (3) E, por último, este carrossel faz um convite muito simples: sentar e admirar algo em silêncio. Ao longo do carrossel, que começa com uma frase de Flaubert: “Tudo acaba por ser interessante se o contemplarmos durante tempo suficiente”, apresenta-se o questionamento da contemplação, em especial da natureza, num mundo tomado pela velocidade que não é natural. Apresenta também como que exposição à beleza natural, como provado pela ciência, tal como vislumbrar o horizonte sobre o oceano, ativam a soft fascination, que pode ser explicado como um estado que provoca relaxamento.. deixamos a mente vagar. Comenta também que “somado à práticas de observação silenciosa” teria efeitos na saúde mental, até reduzindo ansiedade.
Eu fui procurar as evidências e encontrei o Ted da médica Saundra Daunton-Smith que vai chamar isto de descanso criativo. Segundo ela, existem 7 formas de descanso, esta é apenas uma delas. No entanto, você não precisa sair correndo, pode apenas se cercar de imagens e coisas inspiradoras para ter este efeito.
Com isso, volto ao início da edição falando que deveríamos testemunhar a beleza. Quem sabe, se eu não testemunhar uma beleza este final de semana, eu não consigo retomar e enviar o texto na semana que vem? Realmente, eu acho que minha mente precisa descansar um pouco para voltar a escrever melhor. Vou procurar repousar o olhar em algumas belezas, e sugiro que você também faça o mesmo.
Até breve!
Eu já fiz o teste e me surpreendi, e pela minha experiência, sempre ressalto a importância e responsabilidade de ter sempre um psicologo junto quando alguém for aplicar este tipo de teste.
Nossa, o livro da dr. Saundra mudou muito minha visão sobre o assunto, o Sacred Rest (inclusive uns anos atrás cheguei a dar uma resenhada nele aqui:
https://thaiscjmoreira.substack.com/p/cansei-de-falar-sobre-cansaco
Também fiquei curiosíssima sobre o filme! Meu irmão se formou em Oxford uns anos atrás e eu fiquei encantada não só pela beleza do campus, mas pela quantidade de pessoas já idosas concluindo seus estudos. Quero ser uma velhinha dessas, que não cansa de aprender :)
Mais uma edição maravilhosa. Já anotei a dica do filme para ver no final de semana. 🌹😘