Olá!
Vou começar a news de hoje fazendo uma pergunta: Se você pudesse viver em qualquer época, qual você escolheria?
Parece uma pergunta boba, certo? Mas não é. Ela reflete coisas com as quais nós nos identificamos. Meu professor fez esta mesma pergunta na primeira semana de aula do doutorado, com o objetivo de provar que seria possível relacionar nossas respostas com nossas pesquisas. E assim ele fez. Com exceção de um aluno, cuja resposta não lembro, todos os outros gostariam de ter vivido nas épocas relacionadas com seu objeto de estudo.
Minha resposta (em 2017), que ele considerou muito óbvia pois me conhecia há muitos anos, foi que eu adoraria ter vivido entre os anos de 1920-1970. Eu adoraria ter visto as flappers (melindrosas) e a inserção do batom vermelho, a ascensão de Coco Chanel na moda, a proposição do Bob cut por Paul Poiret (que além de designer comissionou obras arquitetônicas nos anos 1920), adoraria ter ouvido jazz, usado taças coupé e lido Scott Fritzgerald antes de Gatsby. Nas artes, gostaria de visto Matisse e Picasso em primeira mão; e mais importante, ter visto o movimento art deco e a subsequente revolução arquitetônica promovida pelo movimento moderno, em especial o nascimento da Bauhaus. Adoraria ter vivido em Nova York neste período, com visitinhas à França. Adoraria ter visto a mudança dos arquitetos da Bauhaus para os Estados Unidos, ter acompanhado o nascimento do MoMA e a inserção de design e arquitetura como itens de exposição; Ter visto o mid-century modern, enfim, várias coisas.
Minha pesquisa continha em si muitos desses temas, com algumas exceções, é claro, mas foi importante ver como a pesquisa que eu trabalharia nos próximos anos era um tema de meu interesse genuíno. Por que eu quis explorar isso?
Recentemente, vejo pessoas buscando terceirizar seu olhar, negando o que gostam em busca de uma imagem pronta para consumo. É muito fácil a gente não justificar o que gosta/quer. É muito fácil receber um guia o que a gente “tem que seguir“ para assumir uma imagem em relação à um objetivo. Eu me pergunto: onde fica a autenticidade nisso?
Mas, ao mesmo tempo, vejo pessoas falando sobre a importância de entender nossa vida e o que cabe nela. Acho que este movimento vale tanto para a nossa casa quanto para o nosso trabalho.
Quando fiz a minha pesquisa de doutorado, busquei justamente entender não apenas a construção de uma linguagem em arquitetura, mas como o nosso olhar é influenciado por nossas experiências, e como nossas experiências influenciam nossa vida profissional. Discutir nossos gostos, nossos interesses perpassa a questão da estética, e está, muitas vezes, relacionado à memórias e experiências.
Eu fui criada numa família que aprecia arte. Desde sempre eu tive contato com este mundo. Nas enciclopédias na casa dos meus pais é possível identificar as páginas que eu marcava com pinturas que eu tinha gostado (algo atípico para uma criança, mas eu realmente fazia isso). Hoje entendo que parte da minha educação artística teve forte influencia de uma professora de artes que eu tive no ensino médio. Muitos colegas a consideravam excêntrica, eu acho que na verdade poucos a compreendiam, porque ela introduziu muito dos temas que eu encontrei mais tarde na faculdade e na vida. Era uma professora que transitava das pinturas ao teatro e nos fazia enxergar para além da simbologia e das convenções. Ela queria algo que talvez fosse um pouco difícil para o contexto: educar o olhar daqueles que ali estavam para que pudéssemos ser capazes de ver muito além da obra em si.
Eu me achava estranha por não chorar com arte e lugares. Ouvia pessoas dizendo que choraram ao ver um monumento, ou quando pisaram no lugar tal, mas descobri com a maturidade, e com o tempo, que não funciona bem assim. A primeira vez que eu me emocionei muito diante de uma obra de arte foi em 2012, no Museu Nacional de Pequim, na exposição “Renaissance in Florence. Masterpieces and Protagonists”, quando eu me deparei com Head of a Woman (La Scapigliata)1500–1505, de Leonardo da Vinci. A primeira vez que eu vi a imagem desta obra eu tinha mais ou menos uns 8/9 anos e ela me marcou muito, então, encontrá-la pessoalmente e fora do lugar de origem foi excepcional. A obra em si tinha aproximadamente 20x25cm, e o encontro teve um forte impacto em mim. Eu fiquei observando aquele quadro durante uns 20 minutos enquanto as lágrimas fluíam e eu comecei a chorar copiosamente. Lembro que um colega voltou até onde eu estava para me chamar para ir embora, pois eu estava demorando muito e, ao me ver, ele falou que esperaria. Logo depois ouvi de um arquiteto acerca dos relacionamentos que estabelecemos com a arte e o porquê de nos emocionarmos mais com uma do que com outra, no entanto, ele também frisou a importância da emoção quando em contato com a arte (qualquer uma delas). E emocionar, não necessariamente significa chorar, ou amar.. mas que a arte vai nos provocar algo; nos deixar reflexivos. E isso eu aprendi lá trás com a minha professora no colégio, que dentro das limitações existentes, nos ensinou muito acerca da apreciação da arte e das provocações que ela carrega em si. A cena se repetiu posteriormente com outras obras, como as pinturas de Van Gogh, as esculturas de Calder e a arquitetura de Mies (Mies Van der Rohe).
A máxima “gosto não se discute” muitas vezes é reduzida à uma questão estética, quando na verdade pode propiciar um diálogo enriquecedor. Vou dar um exemplo: eu gosto muito do trabalho da Maria Martins, escultora brasileira que foi representante do surrealismo, especialmente a escultura “Impossível”. Uma das versões desta escultura, a número III (1946), está no MoMA. E segundo a própria artista, como colocado em diferentes veículos, inclusive no site do museu, “É quase impossível fazer as pessoas entenderem umas as outras”. Quando eu olho esta obra eu sinto uma certa ansiedade, que talvez até possa estar relacionada com a ansiedade que eu sinto quando temo não ser compreendida pelo outro. No vídeo na página no MoMA, que coloquei o link acima, Jamie Bergos, a funcionária do museu que apresenta a obra, menciona sua paixão pela obra, e comenta que se tivesse que escolher uma obra do museu para levar para a casa, ela levaria esta. Apesar de gostar do trabalho da artista, eu acho que seria uma visualidade muito impactante para fazer morada na minha casa. E eu acho muito interessante como cada um tem uma experiência diferente com a arte e com a vida no geral.
Acho que a educação do olhar é um exercício contínuo e diário. Não tem certo ou errado; As pessoas temem encontrar respostas certas que as vezes não existem. E as coisas com as quais nós nos identificamos podem mudar de acordo com os novos encontros e experiências que a vida nos propicia com o passar do tempo. Existe também a questão do conhecimento da história por trás da obra; seu contexto, a vida do artista, tudo isso também influencia a forma como vemos a obra. A resposta que eu dei ao meu professor lá em 2017, talvez não seja a mesma que eu daria hoje - talvez eu fosse mais específica. Talvez Head of a Woman de Picasso (1924), me atraísse mais em uma exposição do que a de Da Vinci, embora eu ainda tenha um carinho especial por esta obra. O motivo pelo qual digo isto é que vamos refinando o olhar, influenciado pelo conhecimento adquirido com o tempo.
Precisamos exercitar mais o nosso olhar e a nossa percepção, conversando sobre o que nos atrai, o que gostamos, o que aquele ambiente, no caso da arquitetura, nos provoca… esses diálogos podem resultar em uma troca valiosa!
Até breve!