Quantos olhares formam o olhar de uma pessoa?
Eu estou fazendo umas aulas fantásticas baseadas no livro “O que aconteceu com você?” de Oprah Winfrey e o médico Bruce Perry. Este projeto da minha terapeuta, chamado LEIA (Lendo e aprendendo com Isa Andrade), é fantástico. Toda vez que eu participei de uma edição, eu sinto que fui muito influenciada e tive meu olhar para a vida, especialmente para as pessoas, transformado.
Na aula da semana passada Isa, psicóloga e facilitadora, explicou que nosso cérebro funciona como um arquivo no qual todas as experiências são armazenadas e muitas vezes, o nosso corpo armazena informações que não estão facilmente acessíveis à nossa mente. Um exemplo que ela deu foi que não existe essa história do “Santo não bater” - existe uma reação à um traço físico, cheiro ou característica específica de uma pessoa. Eu achei isso fantástico.
Por eu estudar a influência da viagem no olhar e no processo criativo, eu sempre olho essas aulas como uma forma de expansão do meu próprio olhar e uma forma de renovação da minha leitura do mundo. No domingo, logo no início da cerimônia do Oscar, eu me emocionei com a apresentação de Lupita Nyong’o ao falar de Da'Vine Joy Randolph. Nela, ela disse que a perfomance de Randolph, indicada por “The Holdovers” era também uma forma de honrar a avó contando um detalhe até então desconhecido por mim e por tantas outras pessoas, os óculos que Da'Vine usa no filme eram de sua avó. Lupita então concluiu que deve ter sido uma honra para a atriz ver o mundo pelos olhos da avó.
Ao aceitar seu prêmio, Da'Vine Joy Randolph agradeceu a mãe por tê-la mandado ir estudar atuação e tantos outros que a enxergaram - e viram o que, talvez, ela não tivesse visto, já que ela disse que começou a carreira cantando e não imaginava que iria atuar. Ao longo da premiação, algumas pessoas, incluindo Billie Eilish, que foi laureada com o prêmio de melhor canção original, agradeceram os professores. Eu achei isso tão bonito. Todas essas falas me levaram a pensar em quantas pessoas ajudaram a moldar o meu olhar para a vida: Pais, Avós, professores, amigos… quantas pessoas não nos fizeram reparar em coisas que antes não víamos? Ou em leituras que não fazíamos? Ainda ontem comentei com uma pessoa sobre um encontro que definitivamente mudou o meu olhar para o mundo e me fez ver e entender viagens sob uma nova luz.
Pude então pensar em o quanto o nosso olhar é fruto de uma coleção de olhares. O quanto a nossa vida é resultado de uma quantidade de encontros, conversas e afins. Esses dias, conversando com uma escritora na livraria do bairro, ela comentou que fez um curso no qual o professor disse que nenhum escritor escreve sozinho. Ele carrega - e contém em si - uma infinidade de experiências, vivências, encontros, conversas… Acho que seria possível dizer acerca de toda uma classe de criativos e como o nosso trabalho reflete esse olhar construído aos poucos. E é justamente esta pluralidade, essa infinidade de experiências que faz com que o nosso olhar seja único.
O nosso olhar, influenciado pelas nossas experiências vai armazenando o que vemos o que ouvimos, o que encontramos - ao acaso ou não. E eu acho que quando vemos um filme como Oppemheimer levar tantos prêmios e todos os agradecimentos fazerem referência à visão de Christopher Nolan, criador e diretor do filme, é uma referência clara do poder do direcionamento do olhar e de uma visão criativa em específico. Quando o rapaz subiu ao palco para aceitar o prêmio de melhor trilha original pelo filme, ele comentou algo que me chamou a atenção: “Foi ideia do Nolan incluir os violinos”, então eu pude compreender o tamanho da visão criativa e dos detalhes da mente criativa por trás daquele filme e o quão especial deve ser o seu repertório para tal feito.
Eu, assim como Da’Vine, também herdei óculos da minha avó, uma coleção de óculos de sol para ser mais específica, e vou fazer uso da metáfora de Lupita aqui, eu vejo o mundo pelo olhos dela sempre que posso. Pois mais do que usar seus óculos, ela me influenciou com sua cultura e inteligência. Quando eu olho uma roupa, por exemplo, eu a vejo pelos olhos incansáveis da minha mãe, que faz com que eu percorra cada detalhe em busca do acabamento perfeito. Quando eu leio um texto com olhar acadêmico, eu me lembro do olhar de uma professora que me ensinou lá no Ensino Médio a aprender a usar mais a minha fala, menos as citações e aprender a distinguir o que valia a pena para a elaboração de uma sustenção do que era bobagem.
Você já parou para pensar nisso - nessa composição de olhares e experiências que influenciou e ainda influenciam o seu olhar?
E eu acho que de forma direta ou indireta, estamos sempre procurando honrar os olhar que ajudaram a formar os nossos olhares. Agora, devemos estar atentos também àqueles que querem apenas redirecionar o nosso olhar a algo e não educá-los. A beleza da construção do olhar está na forma como nós o educamos. Pensar nessas influências é de fato pensar nas pessoas que ajudaram na formação/composição/educação do olhar e não apenas na imposição de um visão única e específica. Educar o olhar é uma combinação de repertórios diversos: ver, ouvir, ler, sentir… Educar o olhar é algo constante e não carece de férias. Educar o olhar é estar sempre abastecido de informações, de novidades, e, principalmente, estar atento ao momento presente. Por isso a influência de tantos olhares na constituição do nosso olhar - não é apenas de pessoas próximas; também é dos autores que lemos, dos pintores que vemos, dos compositores que ouvimos. A forma como um objeto é exposto num museu impacta o nosso olhar e a nossa experiência perante aquele item. É como uma colcha que vai sendo fabricada aos poucos, fio a fio, ponto a ponto… influência a influência, texto a texto, cada ida a museu se torna um ponto neste tecido que vamos construindo e nunca, nunca termina.
Um livro interessante que nos mostra o olhares de artistas é Como os artistas veem o mundo de Will Gompertz, livro que li ano passado por indicação da Juliana Cunha e achei breve e fluido, daqueles que a gente lê aos poucos, sem pressa, ou então rapidinho. Não é tão aprofundado, mas o que ele oferece é o essencial; um “glimpse” da vida do artista e a tradução de seu olhar em suas obras e a ótica de cada artista acerca de um tópico em específico. Acho que por isso que gostei tanto da leitura de “Surprised by Oxford” de Carolyn Weber, livro que eu tenho entendido como um relato do poder da transformação do olhar ao longo de um período por meio de diferentes leituras, influências e com seus questionamentos e não apenas uma história de conversão. Ela relata cada coisa que lhe acontece e a visão que ela tem daquele contexto de acordo com um autor em específico. Isso me chamou muito a atenção.
Neste último livro que comentei, uma frase que achei interessante foi “livros ganham vida não quando são lidos, e sim quando são compartilhados”, eu acredito que o nosso olhar também ganha vida quando compartilhado, é uma forma de evidenciar a nossa paisagem interna, o que nos compõe, como o vemos o mundo. Na próxima semana, vamos comentar este tema.
Eu espero que você tenha um excelente final de semana, e que seu olhar encontre beleza e experiências transformadoras.
Até breve!
Helena
ps: Imagem da capa do post de hoje é do Spiritan Museum of African Arts de NeM / Niney et Marca architectes.
fluido e gostoso de ler .. abraços..
adoro seus textos!!