Hoje vamos falar sobre o medo; de todas as emoções, a mais conhecida e estudada. E nossa referência continua sendo o livro Emoções Reveladas, de Paul Ekman.
O medo é uma emoção de contração. Quando ele se instala, sentimo-nos diminuídos, bloqueados, acovardados. Mas vamos com calma. Antes de falar propriamente do medo e de seus gatilhos, precisamos limpar o terreno, distinguindo o medo de outra emoção com a qual ele costuma ser confundido: a surpresa.
Segundo Ekman, a surpresa é a mais breve das emoções. Deflagrada por um evento repentino e inesperado, ela dura apenas alguns segundos. Logo que percebemos o que está acontecendo, a surpresa se dilui em outras emoções mais duradoras, como o alívio, a raiva, a alegria, a tristeza, o nojo, e... o medo.
Quanto menos inesperado for o fato gerador da surpresa, maior será a sua intensidade. Se, antes de entrarmos em um recinto qualquer, alguém nos avisar que encontraremos uma pessoa conhecida, mesmo sem dizer de quem se trata, a intensidade da emoção (surpresa) será menor do que se não tivéssemos sido avisados. E menos marcada também será a sua expressão.
Outra distinção importante é entre a surpresa e o susto. Para começar, ambos se expressam fisionomicamente de maneira quase oposta. Quando somos surpreendidos, nossos olhos e boca se abrem e as sobrancelhas arqueiam. Já no susto, os olhos se fecham, as sobrancelhas descem e a boca é repuxada, com as comissuras dos lábios deslocando-se para trás. O susto não é um estado extremo da surpresa, como se pode pensar. Não é nem mesmo uma emoção, e sim um reflexo. Um reflexo que, não obstante, também pode anteceder a uma emoção.
Pois bem, agora que já conseguimos distinguir surpresa, susto e medo, chegamos então ao nosso ponto. O que é propriamente o medo? Por que sentimos essa emoção e que efeito ela produz em nossa vida?
O tema universal do medo é a ameaça de dano físico ou psicológico. Os gatilhos variam em torno de dois eixos: perda de suporte e ameaça de dor. A perda de suporte pode ser literal, como quando uma cadeira é retirada do lugar enquanto já nos preparávamos para sentar; ou metafórica, como quando somos chamados na sala do chefe num momento em que a empresa passa por um processo de demissões em massa. Ameaça de cair ou de se desequilibrar, de perder o emprego, de perder um ente querido, todos esses são gatilhos comuns para o medo. A ameaça de dor também pode ser literal ou metafórica: sentimos medo, por exemplo, quando percebemos um objeto robusto vindo em nossa direção, mas também sentimos de medo de perder o amor de alguém ou a aprovação de nossos amigos.
Quando sentimos medo, passamos por uma série de reações fisiológicas involuntárias, tanto mais intensas quanto mais próximo o gatilho estiver de uma ameaça real. Ao percebermos a iminência de algo como um assalto, ou uma colisão violenta, nosso ritmo cardíaco aumenta e o sangue flui para os grandes músculos das perdas, preparando-nos para fugir ou para nos proteger. Outra reação possível é ficarmos paralisados, incapazes de qualquer tipo de ação.
Pense em uma pessoa que está na rua e ouve um barulho de freada e de batida aparentemente próximo. Se ela puder calcular a velocidade e a rota do carro desgovernado, sua primeira reação será, provavelmente, a de correr, deslocando-se para a direção oposta à da trajetória do carro. Caso isso não seja possível, ou caso ela simplesmente não consiga agir de forma alguma, provavelmente tentará se “proteger”, inclinando o corpo para trás e colocando os braços na frente do rosto como se estivesse fazendo um anteparo entre o seu corpo e o carro que ela supõe vir em sua direção.
Podemos aprender a sentir medo de qualquer coisa, basta que essa coisa nos tenha sido apresentada na infância como um gatilho potencial para o medo. Uma criança cujos pais têm medo de andar de avião terá muito mais chances de desenvolver esse medo do que outras. O mesmo podemos dizer do medo de animais inofensivos ou de entes sobrenaturais. Se uma criança pequena testemunha algumas vezes o desespero de sua mãe diante de uma barata, ela será uma forte candidata a desenvolver esse medo. Isso acontece porque, na primeira infância, os cuidadores são os mediadores entre a criança e a realidade. E, por isso, devemos ter muito cuidado quando expressamos nossos medos na frente de crianças, sobretudo as mais novinhas.
Mas é importante lembrar também que toda emoção tem uma função. Existem gatilhos que nos protegem de fato, ajudando-nos a evitar perigos e ameaças reais. As crianças devem aprender a se proteger de perigos reais e, para tanto, é inevitável a instalações dos gatilhos correspondentes. Mas como fazer para desinstalar gatilhos que nos fazem ter medo de coisas inofensivas? Como curar nossos medos irracionais e desprovidos de sentido?
Eis a resposta de Paul Ekman, no capítulo sobre o medo: o melhor antídoto é o saber prático. Quando nos sentimos preparados para enfrentar uma situação ameaçadora, sentimos menos medo. Nossa consciência focaliza o que preciso ser feito, e isso faz com que a emoção seja experimentada de maneira menos intensa e arrebatadora. O que Ekman está nos dizendo é que o medo costuma ser potencializado pelo sentimento de impotência.
É claro que, muitas vezes, o medo não pode ser neutralizado pelo know-how. Se você está andando em uma floresta, desarmado, e se depara com uma onça, o saber prático consistirá apenas em ter clareza sobre a melhor forma de se tornar imperceptível para minimizar os riscos de ser atacado. Mas, para a maioria dos medos, há antídotos mais eficientes.
Se o pneu do seu carro fura no meio de uma estrada deserta e escura, e sabidamente perigosa, você tem duas opções: esperar o socorro ou trocar o pneu. No primeiro caso, você provavelmente vai passar um bom tempo sofrendo e imaginando uma extensa lista de perigos possíveis. Mas se souber trocar os pneus e tiver o equipamento necessário no carro, sua mente estará tão ocupada com essa tarefa que sobrará pouco espaço para pensar em coisas ruins.
A emoção deflagrada por uma ameaça iminente, que ainda não se realizou, é aquele tipo de medo a que costumamos chamar de preocupação. Se uma coisa nos preocupa e, ao invés de ficarmos paralisados, procuramos obter os meios para enfrentar a situação, nosso sofrimento emocional será certamente menor. Quanto maior a nossa capacidade de lidar com a ameaça, menos medo ela nos causará.
Você certamente sabe quais são os seus gatilhos principais para o medo. Agora, só precisa refletir sobre o que pode fazer para enfrentá-los de maneira ativa e lúcida. A coragem é uma virtude muito valiosa, mas ela só é realmente construtiva se vier acompanhada pela destreza, e temperada pela prudência.
Até o próximo texto, cujo assunto será a raiva. Não perca!
Um abraço,
Cristiane
Ah o medo!!! Há o medo racional e o irracional e no segundo reside o problema, sobretudo quando não temos consciência clara de qual foi o gatilho. O medo muitas vezes gera ansiedade e, se não for cuidado psicanaliticamente, vira angústia.
Ah os nossos medos interiores!
Bjs