Este será o último texto da série inspirada no livro “Emoções Reveladas”, de Paul Ekman, e hoje vamos conversar sobre a alegria. Os motivos que me fizeram deixar a alegria por último ficarão claros antes que você chegue ao final da leitura. Mas, já posso adiantar: no que diz respeito ao nosso élan vital, a alegria é a mais construtiva das emoções. Ela nos impele adiante, nos encoraja e nos dá fôlego para viver.
Antes de começar a falar da alegria em si, é necessário fazer uma distinção. Muitas vezes, essa palavra é empregada como se fosse sinônimo de felicidade. Mas, na verdade, não é.
O conceito de felicidade tem sido objeto de reflexão filosófica desde a antiguidade, e o resumo do caso é que a felicidade estaria mais relacionada a um senso subjetivo de bem estar, a uma avaliação geral da vida. Quando dizemos que uma pessoa é feliz, estamos imaginando que ela está existencialmente satisfeita, realizada com suas experiências, com a sua própria instalação no mundo. Já quando dizemos que uma pessoa é alegre, fazemos referência à sua maneira de ser, a um aspecto do seu caráter, ou, para sermos mais específicos, a uma predisposição emocional. A alegria é, antes de tudo, uma emoção.
Assim chegamos ao nosso ponto: alegria é um estado emocional. Porém, um estado emocional muito abrangente, que subsume um conjunto de pelo menos doze emoções agradáveis, ou “enjoyable emotions”, segundo formulou Paul Ekman: divertimento, contentamento, maravilhamento, alívio, êxtase, elevação, gratidão, etc. Pode resultar, também, de uma experiência de prazer sensorial.
Nem sempre é fácil definir a fronteira entre as diversas emoções agradáveis; algumas, inclusive, costumam ocorrer simultaneamente. Por exemplo, o contentamento pode ter algo de divertimento, o alívio pode vir junto com a gratidão. Difícil saber onde termina um e acaba o outro. Outro ponto importante é o seguinte: dependendo da língua, a mesma palavra pode designar mais de uma emoção; e, por outro lado, há estados emocionais que não encontram expressão em todas as línguas. Ekman cita alguns casos.
A palavra italiana fiero, por exemplo, descreve a emoção experimentada quando conquistamos algo depois de muito esforço e dificuldade. É uma emoção muito frequente, por exemplo, entre esportistas de alto desempenho. Em ídiche, a palavra naches designa uma emoção que consiste em um sentimento misto de prazer e orgulho, mas que só um filho pode dar a seus pais. E, por fim, há o caso da palavra alemã schadenfreud, que descreve a emoção que experimentamos quando ficamos sabendo que um inimigo está sofrendo. Sim, é mesmo estranho. A alegria pode não ser sempre virtuosa, o que não a torna uma emoção menos positiva.
O que torna positiva uma emoção não é o conteúdo do seu gatilho, e sim o fato de que ela nos impulsiona e nos encoraja a viver. Ao contrário do medo, da tristeza e da raiva, a alegria nos faz experimentar a realidade de maneira prazerosa e construtiva. E, mais do que isso, ela é o mais poderoso antídoto para o sofrimento, para as emoções negativas. Explico.
Quando experimentamos uma emoção negativa, e não podemos nos livrar da situação que a está gerando, costumamos lançar mão do recurso à alegria, sem mesmo nos darmos conta. Usamos as emoções agradáveis para lidar com as emoções desagradáveis. Vamos imaginar que você está há muito tempo em uma fila enorme, faz muito calor, e a coisa está realmente desorganizada. Pode ser a fila para o cinema, para a matrícula de seu filho em uma escola há muito desejada, ou para o exame adicional necessário a um emprego que vai acabar com as necessidades financeiras de sua família. Mas a fila não anda, os organizadores são ineptos, tudo concorre para que sua irritação comece a crescer. Em pouco tempo, você começará a sentir raiva da situação e das pessoas à sua volta. O que será que mantém você ali, a despeito de estar experimentando uma emoção tão negativa?
No caso do cinema, provavelmente você tenta se convencer de que aquela situação desagradável vai ter valido a pena quando o divertimento começar. Mobilizando a memória de experiências passadas em que se divertiu muito no cinema, você se torna capaz de suportar os minutos que faltam para entrar na sala de projeção. Da mesma forma, a fila da matrícula se torna menos penosa porque você é capaz de imaginar o seu filho, dali a algumas semanas, entusiasmado com seu novo uniforme escolar, animado para o seu primeiro dia de aula. Essa imagem mental permite que você experimente uma pequena amostra do contentamento que sentirá no dia em que isso se tornar realidade. E, por fim, a fila do exame médico será tanto menos desagradável quanto mais você puder antecipar mentalmente o alívio que vai sentir quando finalmente conseguir tirar a sua família do sufoco. Nos dois últimos casos, o senso de dever também atua como um antídoto importante. A sensação de um dever sendo cumprido é sempre passível de resultar em uma emoção agradável. Assim como a própria percepção de que você está sendo capaz de se controlar.
Quando projetamos mentalmente uma emoção futura, também a experimentamos afetivamente, ainda que em doses menores, menos intensas. Essa projeção de uma emoção agradável ajuda na mitigação da emoção negativa, ao fazer com que você se lembre do motivo de ter parado naquela situação. E o motivo é sempre o mesmo de tudo o que nos impele à vida: a alegria de conquistar, de realizar, de se maravilhar, de achar graça, de ter algum tipo de prazer, de cumprir com algum tipo de dever.
Se quisermos definir o que seria uma pessoa emocionalmente estável, não devemos levar em conta as emoções que ela experimenta, pois, para todos nós, emoções negativas são experiências inescapáveis. O que importa é o modo como ela maneja os seus estados emocionais. O equilíbrio não consiste em estar livre de emoções negativas e sim em ser capaz de reconhecer os momentos de maior fragilidade emocional e fazer com que emoções positivas atuem como um contrapeso. É isso, precisamente, o que costumamos chamar de autocontre.