Presentes para as festas de fim de ano
Ótimas recomendações com os nossos lançamentos preferidos
Dezembro chegou enfim. Sabemos que essa época de fim de ano é cheia de trocas de presentes — seja para as festas, os aniversários ou amigos secretos. Com tanta coisa, pode acabar ficando difícil escolher o que presentear para sua família, amigos ou colegas. Por isso, na newsletter dessa semana e nas próximas, fizemos uma curadoria bem especial dos melhores livros para se dar (e ganhar) como presente.
Para aquela sua amiga amante de Ernaux e Ferrante:
Trilogia de Copenhagen: Infância, Juventude e Dependência, de Tove Ditlevsen
Trilogia de Copenhagen é a obra-prima de Tove Ditlevsen (1917-1976), uma das principais vozes da literatura dinamarquesa do século XX, e reúne três volumes autobiográficos. Em Infância, acompanhamos a história dos primeiros anos da escritora, que cresceu em um bairro operário e sonha em se tornar poeta. Juventude descreve suas primeiras experiências sexuais e profissionais e a conquista de sua independência. No terceiro volume, Dependência, Tove já é conhecida nos círculos literários — mas sua vida pessoal entra em colapso comcasamentos conturbados e o vício em opioides.
Ao longo de todo o livro, está presente o embate entre a vocação literária de Tove e as expectativas reservadas a uma mulher de classe trabalhadora, destacando-se por sua honestidade brutal e pela representação das amizades femininas.
Para quem ainda acha que as máquinas vão dominar o mundo:
Maniac, de Benjamín Labatut
O personagem central deste novo romance de Benjamín Labatut é o matemático John von Neumann. Além de inventar o computador moderno como o conhecemos, Von Neumann contribuiu para os fundamentos da física quântica, teve importante participação no Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba atômica, e foi um dos criadores da teoria dos jogos, que exerceu enorme influência em áreas como a economia e a inteligência artificial.
Depois do aclamado Quando deixamos de entender o mundo, Labatut aprofunda sua investigação literária das forças sombrias que movem o avanço científico com este romance assombroso sobre as armadilhas morais e existenciais inscritas na vida humana.
Para quem, como nós, se apaixonou por Escute as feras em 2021:
A leste dos sonhos: Respostas even às crises sistêmicas, de Nastassja Martin
Depois da experiência e da reflexão radicais que recolheu em Escute as feras, a antropóloga francesa Nastassja Martin volta ao Grande Norte e a seu diálogo com os even da península de Kamtchátka em A leste dos sonhos. Os “personagens” são os mesmos: Dária, seus filhos e filhas, o pequeno grupo que a seguiu de volta à floresta e a um modo de vida em vias de esquecimento. Mas agora o foco se abre para incorporar o contexto histórico e global que emoldura os acontecimentos e as decisões em Tvaián, às margens do rio Ítcha.
Da colonização russa da Sibéria ao fim da União Soviética, da pilhagem capitalista do território à aceleração da mudança climática, tudo parece conspirar para pôr em cheque a persistência dos even. Contra esse pano de fundo, Martin põe-se a interrogar as respostas even a essa crise de múltiplas faces: os sonhos animistas de Dária, o aprendizado da vida prática longe do Estado, a negociação com o mundo mercantilizado, a reflexão mitológica sobre os seres e os elementos.
Nada disso é exposto com arrogância paternalista nas páginas de A leste dos sonhos: o retorno ao sonho e ao mito, em particular, são entendidos não como regressão, mas como gesto audaz de captação de um mundo em vertiginosa metamorfose e de ação política nesse novo cenário. Por meio de um exercício de escuta paciente, Martin vai despindo o que viu e ouviu em Tvaián de todo exotismo, para discernir o nó palpitante de uma experiência humana que diz respeito tanto aos even como a cada um de nós.
Para quem gosta de boa literatura e quer apoiar editoras independentes, este livro que é finalista do Prêmio Jabuti:
A tessitura da perda, de Cristianne Lameirinha
Um romance sobre como o luto e o trabalho da memória são capazes de tecer uma nova história feita de reflexão, resiliência e disposições renovadas. Após acompanhar o processo de adoecimento e morte da mãe, em decorrência do Alzheimer, Beatriz revisita a própria trajetória, angústias, crises de depressão e a culpa com que convive desde que passou por um trauma de juventude. Aos 50 anos, mãe de dois filhos, ela elabora o luto recente e também revive a perda de um filho e a separação ocorridas muitos anos antes.
O livro é dividido em sete capítulos, os dias da primeira semana de luto da protagonista narradora. Ao debruçar-se sobre registros de memória, como fotos, cartas e documentos, Beatriz imagina como teria sido a vida da bisavó Virgínia, da avó Cecília e da mãe, Teresa. Além das histórias das antepassadas, é também o destino de Beatriz que está em jogo.
Destaca-se a trajetória de Virgínia, na cidade de Santos, nas primeiras décadas do século XX e, em particular, durante o período da epidemia de gripe espanhola de 1918. Depois da morte do marido em decorrência da gripe, Virgínia enfrentará o preconceito existente no universo do trabalho, assim como a violência e a tentativa de assédio de um parente que pretende usurpar os poucos bens que lhe restaram. Ela luta pelo direito de trabalhar e sobreviver com dignidade diante de uma tragédia individual, pela qual não tem tempo para sofrer, enquanto enfrenta a tragédia coletiva que se abate sobre a cidade.
Beatriz também se dedica a recompor momentos da vida de sua avó, Cecília, e da mãe, Teresa. Uma das filhas de Virgínia, Cecília nasceu sem um antebraço. Mesmo com todas as dificuldades, tornou-se costureira e trabalhou como operária da indústria têxtil em São Paulo; a certa altura, perdeu o emprego por ter sido obrigada a cuidar do marido com câncer. Sua filha, Teresa, é que consegue ascender socialmente, tornando-se professora e, assim, conseguindo criar Beatriz e proporcionar à filha uma formação universitária.
Neste romance caudaloso e envolvente, Beatriz se vê imersa em sentimentos dolorosos mas mobilizadores e reconstitui as trajetórias das mulheres da família. A carreira bem-sucedida não a livra de percalços e de dilemas persistentes, no caso das mulheres que decidem tomar nas mãos sua narrativa de vida. A partir do momento das perdas que o adoecimento e a morte da mãe acarretam (a memória, o afeto, os nexos narrativos), Beatriz refaz pela memória, pela imaginação e pela sua própria reinvenção pessoal, na escrita e na elaboração afetiva, uma nova forma de interpretar a própria trajetória.
Para os amantes de MPB:
Todas as letras, de Gilberto Gil
Edição comemorativa e ampliada que compila mais de quatrocentas letras escritas por Gilberto Gil em sessenta anos de carreira.
A obra de Gilberto Gil contribuiu para a transformação do conceito estético da letra de música ao lhe dar status de poesia — cantada e popular. Ex-ministro da Cultura, membro da Academia Brasileira de Letras, Gil é um dos mais sensíveis e inventivos artistas em atividade, reconhecido e admirado no mundo inteiro.
Com organização de Carlos Rennó, ilustrações inéditas de Alberto Pitta e textos de Arnaldo Antunes e José Miguel Wisnik, esta terceira edição de Todas as letras reúne o conjunto das canções compostas por Gil, uma cronologia e centenas de comentários do autor a respeito de suas composições.
Para aquele seu tio diferentão:
As flores do bem, de Sidarta Ribeiro
Com a linguagem acessível que caracteriza a obra de Sidarta Ribeiro, este livro propõe combater a desinformação acerca da maconha, mesclando história, cultura e depoimentos pessoais com rigor científico. Em As flores do bem, Ribeiro apresenta um breve histórico da erva milenar e descreve como os feitos coletivos humanos conseguiram domesticar uma planta de incrível versatilidade, cuja história se confunde com a de nossa espécie. Fosse cânhamo para produtos navais na Europa e teares na China ou unguento medicinal na Índia e na África, a maconha sempre esteve presente na sociedade e evoluiu conosco, elevando a qualidade de vida da humanidade.
Na longa história de interação entre a Cannabis e o homem, as últimas décadas foram marcadas por um proibicionismo de motivações políticas em que o racismo e o conservadorismo têm papel central, mas o avanço da ciência aponta para um novo capítulo. Depois de inúmeros estudos e descobertas relativas ao tratamento da epilepsia, o uso medicinal da maconha já não é mais questionado pela ciência. E ainda há muito a se descobrir sobre as potencialidades da erva: ansiedade, depressão, Parkinson e Alzheimer são algumas das doenças que podem ser curadas ou mitigadas com a Cannabis.
Por isso, é preciso conhecê-la ainda mais, sempre com a consciência de que tudo em excesso faz mal, e que, como toda droga, essa também tem seus grupos de risco. Indicada principalmente para pessoas adultas e idosas, a erva vai além das múltiplas prescrições medicinais, podendo contribuir para a qualidade de vida também pelo uso recreativo. Poderosa aliada da criatividade e da ampliação dos sentidos, a maconha também pode ajudar no esporte, no sexo e até nos estudos e no trabalho.
As flores do bem não é, portanto, apenas um livro de divulgação científica: é a contribuição de um dos maiores cientistas brasileiros para um debate urgente, na forma de um libelo que busca romper preconceitos e abrir o diálogo. Com franqueza e humanidade, Ribeiro mostra como a maconha mudou os rumos de sua história familiar e de sua trajetória profissional e religiosa. E mesmo que seja uma exposição entusiasmada da Cannabis, o autor não deixa de mencionar que nem tudo são flores. A guerra às drogas, a legislação inadequada, os preconceitos racial e moral são discutidos de modo certeiro, lembrando que por mais florescente que seja o futuro, é preciso reparar as injustiças cometidas até agora.
Para quem gosta de arte, história e vê a beleza no mundo (já que este livro é, por si só, uma obra de arte):
Manet no Rio, de Édouard Manet
Manet no Rio (Lettres de jeunesse 1848-1849: Voyage à Rio) é o conjunto de cartas escritas pelo jovem Édouard Manet (1832-1883) durante sua viagem ao Rio de Janeiro em meados do século XIX, alguns anos antes de se tornar o artista que revolucionaria para sempre a pintura ocidental.
O livro retrata um Manet diferente, desconhecido da maioria das pessoas. O pintor francês que viria a se tornar um ícone da Modernidade, quando jovem, desenhava apenas nas horas vagas e sonhava com uma carreira na marinha. No decorrer da viagem, enviava à família seus relatos sobre a rotina e as aventuras no navio Havre et Guadeloupe, bem como suas impressões sobre a capital fluminense, seus habitantes, o regime escravocrata e os costumes do povo carioca, incluindo o carnaval.
Escritos com o ímpeto das marés, no balanço do navio, os dez lotes de cartas de Manet no Rio revelam a ânsia do adolescente por se estabelecer na carreira náutica, algo que não se concretizou, pois, para o bem da pintura moderna, o aspirante foi reprovado duas vezes no exame de admissão da marinha francesa.
Em terras fluminenses, Manet se depara com um mundo completamente novo, hesitando entre o encanto e o desprezo. Exceto pela menção ao “espetáculo da natureza mais bela do mundo”, o jovem parece não se entusiasmar muito, a ponto de ridicularizar a elite brasileira, sua mesquinhez e certo aspecto amador das artes e da arquitetura.
Diferentemente das cartas de Saint-Hilaire, botânico que explorou o Brasil no começo do século XIX, ou dos supostos relatos de Hans Staden no século XVI, os problemas retratados pelo então jovem marujo se revelam atuais. Profundamente chocado com a escravidão, Manet não descreve a seus pais um Brasil hospitaleiro nem cordial, mas uma sociedade luso-brasileira escravocrata, tacanha e grosseira.
O prefácio à nova tradução de Régis Mikail é assinado por Alecsandra Matias. Em seu texto “O preto não é uma cor”, a autora aborda de maneira original e inédita a noção da ausência de cor segundo Manet e o espanto do pintor com a escravidão, ambos elementos-chave para discussões atuais, notadamente no que diz respeito à questão pós-colonial. O livro se encerra com um posfácio de Felipe Martinez, que situa a obra de Manet na história da arte, falando sobre quadros relevantes do artista que causaram polêmica, tanto pelo tema quanto por sua maneira de pintar.
Para a sua sobrinha que gosta de anime:
Onde vivem as monstras, de Aoko Matsuda
Os fantasmas deste livro têm as mesmas características de pessoas que você conhece: podem ser amigos queridos, parentes críticos ou colegas intrometidos que parecem sempre ter tempo disponível para dar conselhos, lições valiosas ou simplesmente nos atormentar.
Nesta coletânea de contos, as tradicionais histórias de fantasmas japonesas são reapresentadas sob uma perspectiva feminista. Suas personagens espirituosas – que também calham de ser fantasmas – aparecem sob disfarces inesperados e prestam uma variedade de serviços úteis aos humanos, desde revelar a verdade por trás da morte de um familiar até cuidar de crianças, revender produtos, proteger castelos e combater o crime. À medida que avançamos nos contos, personagens e histórias se entrelaçam, tornando o livro ainda mais rico e intrincado do que imaginamos inicialmente.
Em Onde vivem as monstras, os encontros dos mortos com os vivos, por vezes assustadores, também se revelam doces e emocionantes, e levantam, com leveza e bom humor, questões profundas sobre a emancipação e as mudanças recentes na vida das mulheres japonesas.
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