Como fica seu organismo quando entra em estado de estresseɁ
FISIOLOGIA Humana n.9 - Lidar com o estresse cobra recursos nutricionais e hormonais do organismo
[Imagem: ipress.ua\ru]
Nosso sistema orgânico é construído de forma a poder lidar com estressores ocasionais. Estressores são parte da nossa vida e o corpo, em princípio, tende a manejá-los bem, desde que a) conte com recursos nutricionais e b) os estressores não sejam frequentes ou de elevada ou prolongada intensidade.
A resposta adaptativa ao estresse, no entanto, se dá através de hormônios que, se continuarem presentes muito tempo nos sistemas, começarão a construir sintomas, quadros clínicos. Essa é a lógica da resposta adaptativa: adapta a pessoa àquele estresse, mas este não deve continuar no tempo nem carregar demasiado na intensidade, caso contrário a resposta se converte, por assim dizer, no seu oposto, isto é, os hormônios agora serão diretamente fonte de estresse.
A resposta adaptativa terá se convertido em desadaptativa. O sistema adaptativo terá entrado, em certa medida, em falência. É quando a pessoa contará com cortisolemia, estrogênio algo, adrenalina continuamente alta, mesmo, por exemplo, em repouso.
Sintomas clínicos – doenças – emergem quando a ativação do sistema hormonal adaptativo [cortisol, adrenalina, estrogênio e outros] está se estendendo no tempo, sim, mas é importante entender que isso se deu porque o organismo não contava com recursos suficientes. Eventualmente é a falta de açúcar armazenado [glicogênio] ou plasmático, falta de proteína suficiente na alimentação, de determinadas vitaminas, minerais.
Seja como for, os sintomas eclodem como resultado de um problema de estresse prolongado que o corpo não conseguiu corrigir não contou com recursos necessários em relação à demanda.
Na verdade, em um primeiro momento, de tentativa de reação adaptativa ao estresse, o organismo reage mobilizando recursos de um lado para outro, inclusive sangue, circulação sanguínea [de nutrientes, oxigênio etc.].
Um exemplo de estresse “silencioso”: o cálcio possui níveis fisiológicos estáveis no plasma e não pode cair aquém de uma faixa estrita; mas se a pessoa consome pouco cálcio, a resposta adaptativa será a elevação do PTH.
Pois bem, se esta pessoa segue com baixo consumo de cálcio ao longo do tempo – neste caso, teremos um estressor em ação prolongada – o PTH elevado por certo tempo começa a inflamar o corpo, acionar outras moléculas inflamatórias, como a ILL-6 [Ver aqui ], pode construir uma hipertensão [por calcificação e rigidez vascular], e osteoporose, conforme a duração da presença do PTH nos sistemas. E conforme continue a carência.
O que se viu aqui foi que apareceu o estressor [carência de cálcio], veio a resposta adaptativa [na forma de hormônios do estresse a exemplo do PTH, embora não apenas ele] e, se os recursos à altura da demanda não aparecerem, teremos o quadro clínico.
Aliás, o envelhecimento, no nosso meio, costuma ser - como já foi dito aqui mais de uma vez -, um processo de estresse crônico, construindo, em câmara lenta, osteoporose, fragilidade da pele, queda de cabelos e atrofias, calcificações e fibroses em geral.
Essa resposta, bem entendido, será a resposta do corpo, dos seus sistemas adaptativos, ao estresse, assumindo, no tempo, a forma do mau envelhecimento, da menopausa doentia, por exemplo.
R. Peat foi pioneiro em definir o envelhecimento como um processo de escalada do estrogênio, do cortisol, da serotonina e assim por diante e de queda sustentada dos hormônios protetores [DHEA, progesterona, pregnenolona, testosterona etc.].
Para a melhor compreensão desse importante tema, recomendo a leitura dos primeiros livros do Dr Hans Selye sobre síndrome geral adaptativa e, principalmente, os materiais do PhD R. Peat. Não, não se trata de autores que nós tomemos conhecimento na faculdade; só despontam no nosso horizonte tempos depois, quando vai ficando evidente, para alguns de nós, que a fisiologia ensinada nas faculdades não dispõe de uma teoria geral da doença, do envelhecimento e vive empatanada nas caixinhas das especialidades e também dos órgãos e funções que não dialogam entre si. Tireoide e coração, cada um por si.
Retomando à resposta do estresse. Um dos efeitos do estresse, quando entram em cena hormônios como cortisol e adrenalina é, como foi dito, o redirecionamento de recursos orgânicos, de um lado para outro. Além da demanda imediata de nutrientes.
Os processos digestivos são bom exemplo disso. São diretamente suprimidos durante o estresse.
Como argumentava Robert Sapolsky, “a digestão é rapidamente detida durante o estresse. O sistema nervoso parassimpático, perfeito para quando tudo está calmo, na fisiologia vegetativa, normalmente é o mediador dos processos da digestão. Quando chega o estresse: desliga-se o parassimpático, o simpático é ligado e esqueça a digestão”[A].
E, justamente, o problema do intestino quando a pessoa entra em estresse é que ele torna-se muito mais permeável [leaky] aos detritos e endotoxinas do intestino. Os “poros” do intestino – apenas para usar uma imagem - se abrem para conteúdos inadequados. Como argumenta R. Peat, “é o intestino que deveria merecer a máxima atenção das pessoas já que qualquer tipo de estresse ou choque reduz a circulação sanguínea intestinal e este fica mais permeável ou leaky”. [Leaky, em livre tradução significa “que deixa vazar”][B].
O jejum é uma forma de estresse e tem esse efeito. E é assim porque o organismo, sem oferta de açúcar via alimentação, irá fabricar glicose endogenamente, gerando detritos como ácido lático e amônia; estes tornam o intestino mais permeável. Por isso a endotoxina, em si, ingressa no processo como importante estressor, eventualmente, entrando em cena secundariamente ao estressor principal. É o que ocorre em outro tipo de estresse, no exercício extenuante, anaeróbico. A longa citação de R. Peat esclarece esse ponto:
“Estresses incidentais, do tipo exercício extenuante combinado com jejum [isto é, corrida ou malhação antes do breakfast] não apenas diretamente disparam a produção de lactato e amônia, mas tendem a aumentar a absorção de endotoxinas bacterianas do intestino.
Endotoxina é um estressor crônico universal. Aumenta lactato e óxido nítrico, envenenando a respiração mitocondrial, precipitando a secreção dos hormônios adaptativos do estresse, que nem sempre reparam completamente o dano celular.
As endotoxinas bacterianas provocam alguns dos mesmos efeitos da adrenalina. Quando o estresse reduz a circulação do intestino [Ver aqui ], provocando injúria na função de barreira das células intestinais, as endotoxinas podem entrar no sangue, contribuindo para um estado de choque, com posterior comprometimento da circulação”.
“Nosso sistema imune é perfeitamente competente para lidar com a exposição a endotoxinas bacterianas em um processo normal de estresse, mas à medida que acumulamos gorduras instáveis [óleos insaturados], cada exposição a endotoxinas cria estresse inflamatório adicional por conta da liberação das gorduras armazenadas. E o cérebro possui uma enorme concentração de gorduras complexas, e é, por isso, altamente susceptível aos efeitos do estresse da peroxidação lipídica, que se torna progressivamente pior à medida que aquelas gorduras instáveis se acumulam durante o envelhecimento”.
Mas não é preciso que haja muito estresse, em todo caso – ainda mais com óleos insaturados no corpo – para que as endotoxinas no sangue alcancem níveis bem altos.
“A quantidade de injúria necessária para aumentar as endotoxinas no sangue pode ser pequena. Dois terços da população que se submetem a uma colonoscopia apresentam um aumento substancial nas endotoxinas plasmáticas, e exercício intenso ou ansiedade produzem o mesmo efeito. Endotoxina ativa a enzima que sintetiza estrogênio ao mesmo tempo em que reduz a formação de andrógenos” [R. Peat].[C]
Em suma, nosso organismo pode reagir ao estresse [frio, problemas emocionais, jejum, carências nutricionais e assim por diante] e evoluiu ganhando essa capacidade adaptativa. O que se faz necessário é que tenhamos a consciência de que para a boa resposta adaptativa é preciso oferecer os recursos que a resposta ao estresse demanda. Caso contrário, a resultante será a doença, a resposta adaptativa desadaptativa.
GM Fontes, Brasília, 5-4-24
As informações aqui presentes não pretendem servir para uso diagnóstico, prescrição médica, tratamento, prevenção ou mitigação de qualquer doença humana. Não pretendem substituir a consulta ao profissional médico ou servir como recomendação para qualquer plano de tratamento. Trata-se de informações com fins estritamente educativos. Nenhuma das notas aqui presentes, neste blog, conseguirá atingir o contexto específico do paciente singular, nem doses, modo de usar etc. Este trabalho compete ao paciente com seu médico. Isso significa que nenhuma dessas notas - necessariamente parciais - substitui essa relação.
Notas _______________________
[A] Stress– a shifting of resources - http://www.functionalps.com/blog/2014/05/25/stress-a-shifting-of-resources/
[B] R. Peat, em entrevista, lembra que a “aspirin incidentally is now being studied as possibly the best defense against a leaky intestine, even though there is a tremendous amount of Tylenol-type propaganda saying ´Don’t use aspirin, it makes your intestine leak´, but, in fact, it prevents endotoxin and bacterial movement from your intestine into your bloodstream”.
[C] CHRISTEFF N AUCLAIR M C, 1992. Effect of the aromatase inhibitor, 4 hydroxyandrostenedione, on the endotoxin-induced changes in steroid hormones in male rats. Life Sci. 1992;50(19):1459-68. doi: 10.1016/0024-3205(92)90265-q. PMID: 1573977 DOI: 10.1016/0024-3205(92)90265-q “The increase in circulating estrogen concentrations that follows injection of Escherichia coli endotoxin (Endo) may be due to increased aromatase activity. We have therefore analysed the effect of the aromatase inhibitor, 4 hydroxyandrostenedione (4OHA) on the steroid hormone response of male rats, particularly the dramatic increase in estrogens and decrease in androgens, induced by Endo. The concentrations of corticosterone (B), progesterone (P4), 17 alpha hydroxyprogesterone (17 alpha OHP4), androstenedione (delta 4), testosterone (T), estrone (E1) and estradiol (E2) were determined 2 hours after injection of increasing doses of 4OHA with and without Endo. The increase in serum estrogen concentrations and drop in serum androgen levels in response to Endo were blocked by a single dose of 4OHA. The effect of 4OHA appeared to be dose dependent. Low doses (30 mg/kg and 50 mg/kg) induced significant changes in the estrogen and androgen responses, but the high dose (100 mg/kg) blocked all changes in sex steroids induced by Endo. 4OHA did not alter the Endo-induced changes in other steroids”.
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