De ursos, de calorias e de hibernação
Nem toda caloria é feita igual – há fontes calóricas que entorpecem o metabolismo
[Imagem: ugra-news.ru]
No período anterior à hibernação, o urso se empanturra de um dos alimentos mais disponíveis naquela estação, sementes. Sementes e nozes ricas em óleos insaturados. E justamente, o processo bioquímico típico da hibernação se inicia quando os níveis de óleos insaturados no seu organismo são suficientemente altos.
Neste momento ele tenderá a ir mergulhando em um estado de torpor e tratará de se acomodar na caverna mais próxima para atravessar o inverno. Não quer ser perturbado, até porque seu estado metabólico entorpecido – alguém diria, zumbizado – não dá para muito mais do que simplesmente ficar ali, inativo.
Assim também age o esquilo e animais que hibernam. O esquilo, depois de se locupletar com sementes e nozes na temporada prévia ao inverno, termina se prostrando semimorto em algum canto, agasalhado para o inverno que se inicia. Igualmente: seu organismo está encharcado de óleos insaturados.
Ursos, esquilos, animais que hibernam e – em pequena escala, os esquimós – possuem, no caso, algo em comum. No inverno entram em estado de inatividade relativa [esquimós] ou mais profunda [urso, esquilos].
Mas todos, animais que hibernam e humanos, estão expressando, em seus organismos, um mesmo processo, o fenômeno da inibição metabólica.
Inibição que, no caso, possui uma determinação fundamental: o metabolismo foi especificamente inibido por óleos de sementes ou de peixe, em suma, óleos insaturados.
Óleos insaturados promovem serotonina alta e esta está – segundo inúmeros estudos – implicada na hibernação, no entorpecimento inclusive cerebral [A].
Esse fato, do entorpecimento a partir do consumo de determinado tipo de gordura, nos fala de outra coisa: o tipo de caloria que se consome importa.
As calorias não são feitas iguais. Temos grandes macronutrientes que fornecem calorias, começando pelos principais e decisivos, açúcar e gordura, mas o tipo de gordura que se consome e a quantidade importam e muito.
Se a maior parte da calorias vier da gordura e se esta gordura, com destaque, for óleo insaturado, teremos – ao contrário do consumo de açúcar e gordura saturada – uma inibição metabólica, elevação da produção de serotonina e ganho de peso.
Certamente, diante disso, não se trata de boa política fugir para alimentos sem gordura animal, ou não densos em calorias dessa origem. Neste caso - e ainda mais a comunidade “low carb” [de fato: low sugar] - facilmente se pode cair nos óleos de semente, nozes e peixes, e essa rota de fuga nos leva diretamente a algum grau de inibição metabólica, com todas as suas consequências para a saúde.
Começando por tendência a se fatigar mais facilmente e ganhar um sono leve ou sobressaltado [como o do urso, diga-se de passagem].
Daí a importância estratégica de se evitar o óleo insaturado. Na natureza ele está inequivocamente vinculado ao torpor, como vimos. E à diminuição da temperatura corporal. Grande consumo de óleo insaturado, em humanos também levará, paulatinamente, a isso.
Os esquimós consomem, previamente ao seu inverno, animais riquíssimos em óleo insaturado [ômega 3 principalmente]; no caso de tais animais, se não contassem com esse tipo de óleo no seu organismo, tenderiam, em algum grau, a solidificar seu sangue. Os esquimós, por sua vez, com teor mais alto de tais óleos nos sistemas, não passam o inverno dançando nem se reproduzindo, mas apenas sobrevivendo, com metabolismo e temperatura corporal inibidos.
É mais ou menos como se a presença importante de óleos insaturados no organismo desse o sinal para o organismo entrar em estado de relativa inatividade, torpor, semi-torpor, coisas no estilo.
Como argumenta G Dinkov, “ficar basicamente em um estado semi-zumbi é como a natureza faz para evitar que o animal pereça [caso tentasse uma vida plena de atividade]; quando o ser humano está consumido óleo insaturado está, essencialmente, revertendo do ponto de vista da evolução, funcionalmente, ao nível de animais mais primitivos como a ameba ou a bactéria que possuem muito baixa taxa metabólica e produzem energia primariamente através de um mecanismo primitivo como a glicólise” [B].
Entrar em estado de semi-torpor ou apresentar um sono superficial tem a ver, como foi mencionado, com elevação da serotonina nos sistemas. [Não é o que se costuma pensar: a serotonina, definitivamente, não é “molécula do prazer”. Ver aqui e aqui; e também aqui].
Animais que hibernam apresentam altos níveis de serotonina no período que antecede a hibernação. A serotonina tem a já citada propriedade de ativar a glicólise [aumentando o lactato], comprometer a circulação e baixar o ATP celular. Prevalecerá a lipólise [com a queima de óleos insaturados tornando-se dominante, se estiverem disponíveis, caso do urso].
Serotonina também baixa a temperatura corporal e cria hipoglicemia com aumento da adrenalina e inibição da conversão do T4 em T3 no fígado. Um processo de letargia e sono superficial se estabelece em consequência.
Esse, justamente, vem a ser o status bioquímico do animal que hiberna.
“O efeito inibitório da serotonina não está limitado ao sistema de ativação reticular [C], como por exemplo, quando ela baixa a a temperatura corporal e a taxa metabólica, mas Kramarova, et al. [1991] mostraram que a inibição do sistema reticular de ativação através do aumento da serotonina é uma parte importante da preparação para hibernação”[R. Peat].
Também haverá aumento da melatonina.
E aqui temos mais um exemplo - além da serotonina - da ideologia médica dominante: seu discurso terapêutico em torno da melatonina. A melatonina é um derivado da serotonina e é produzida no sono. Ambas promovem o sono não reparador. Como se sabe, hibernação tem menos a ver com sono profundo e mais com ficar semi-desperto.
O animal que hiberna não está mergulhando no seu sono mais profundo.
Um parêntesis: esta discussão serotonina-melatonina foi desenvolvida mais extensamente no livro recém-publicado Por que [quase] toda doença começa no intestino [D].
Portanto, e voltando às calorias da gordura, se a gordura abundante na alimentação é a insaturada, as calorias daqui derivadas [via lipólise] não serão em nada semelhantes às calorias derivadas do açúcar ou da gordura saturada.
Serão doentias, patogênicas. Inibidoras do metabolismo. Tóxicas.
Portanto, as calorias não são iguais, como mencionamos acima. É preciso, portanto, em certa medida, que a pessoa tenha alguma consciência sobre a bioquímica das diferentes gorduras.
Na natureza, o óleo insaturado sinaliza, se quisermos pensar de outro ângulo, que o inverno vem aí, o jejum vem aí, é preciso simplesmente sobreviver. Isto é, há que inibir o metabolismo ou perecer.
E, como não somos ursos, inibição do metabolismo significará o desenvolvimento, nos nossos sistemas, dos efeitos indesejáveis da grande presença de serotonina, a começar do sono não reparador [acorda facilmente], aumento da produção não eficiente de energia, da lipólise, da queima anaeróbica do açúcar, ganho de peso e todo o resto de problemas explicados incansavelmente pelo fisiologista R. Peat.
GM Fontes, Brasília, 1-1-24
As informações aqui presentes não pretendem servir para uso diagnóstico, prescrição médica, tratamento, prevenção ou mitigação de qualquer doença humana. Não pretendem substituir a consulta ao profissional médico ou servir como recomendação para qualquer plano de tratamento. Trata-se de informações com fins estritamente educativos.
Referências __________________
[A] SCHWARTZER, N, 1994. Serotonin-induced decrease in brain ATP, stimulation of brain anaerobic glycolysis and elevation of plasma hemoglobin; the protective action of calmodulin antagonists. Gen Pharmacol 1994 Oct;25(6):1257-1262. “Injeção de serotonina [5-hidroxitriptamina] em ratos, induziu uma queda dramática nos níveis cerebrais de ATP. Concomitante com tais mudanças, a atividade da fosfofrutoquinase cisosólica, a enzima que limita a taxa da glicólise, foi significantemente reforçada. Estimulação da glicólise anaeróbica apareceu também refletida em um marcante aumento no conteúdo de lactato no cérebro” Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7875554/
[B] Debate [live] intitulado G Dinkov, Brad Marshall on obesity causes and solutions, de 11-7-22.
[C] Uma rede de neurônios, no interior do cérebro, que deve ser parte da manutenção do estado de alerta. As fibras da formação reticular projetam-se para todo o córtex cerebral.
[D] O livro pode ser obtido aqui: https://open.substack.com/pub/outramedicina/p/por-que-quase-toda-doenca-comeca?r=6o66u&utm_campaign=post&utm_medium=web
***
https://outramedicina.substack.com/p/serotonina-para-alem-da-narrativa
Que a verdade científica prevaleça.
Rindo de que exatamente?