Estrogênio implicado no envelhecimento de homens e mulheresɁ [Parte 1 de 2]
ENSAIO: Envelhecimento, hibernação, estrogênio e doença – o que o estrogênio tem a ver com o mau envelhecimento
[Imagem: pansion-zabota.ru]
Ray Peat foi pioneiro no sentido de estabelecer uma ponte entre a ideia do envelhecimento e a ideia da dominância estrogênica.
Ele citava um termo chamado parabiose que – embora também tenha outro significado em biologia – pode ser útil para definir o envelhecimento e a situação de estresse crônico, prolongado no tempo.
Estresse estendido no tempo, para o organismo, é uma condição de risco, inegociável, à qual ele tem que se adaptar para não perecer. E se adaptar, cronicamente, pode ter o significado de viver de modo não pleno, abaixo do ótimo, minimalista.
Um exemplo de estresse pode ser, por exemplo: desnutrição seletiva, a pessoa não consome o suficiente [baixo consumo de cálcio ou de magnésio], ou então um estado de incômodo emocional persistente ou também condições de trabalho que a pessoa não consegue contornar.
No marco dessa condição – de sofrimento, de estresse tal como definido por Hans Selye - da qual não consegue se evadir, e com o passar do tempo, o organismo vai entrar em um tipo de adaptação que significa, no real, uma espécie de minimalismo.
Isto é, um modo minimalista de sobrevivência que poderia ser chamado de parabiose, ou seja: é como se a pessoa não estivesse completamente viva, estando mergulhada em um estado “para-vivo”, por assim dizer, no qual, essencialmente, o organismo passa a diminuir as demandas biológicas para poder permanecer vivo.
Esse estado de ficar “não-plenamente-vivo” é o estado de envelhecimento [tal como se dá no nosso meio].
Em outras palavras, um estado de estresse crônico, onde entram em cena hormônios como estrogênio, cortisol e serotonina que induzirão aquele estado defensivo, minimalista, parabiótico [em certos animais se expressa como hibernação], no qual todas as funções importantes vão sendo comprometidas para menos, inclusive o próprio sono se torna superficial.
Esse estado de conviver com menos, ou minimalismo é uma característica indissociável da presença do estrogênio cronicamente elevado nos tecidos.
“No envelhecimento, os tecidos geralmente atrofiam com a perda de substância e de atividade. Ordinariamente, os organismos reagem ao estresse com aumentada atividade do sistema funcional adequado, mas, quando o estresse é inescapável, os organismos adotam estratégias de diminuir suas demandas, como a hibernação ou na inibição defensiva que já foi chamada de parabiose, isto é, o estado de ‘não estar plenamente vivo’.
Em muitas situações, a serotonina está intimamente associada ao estrogênio, parece ser um importante indutor deste estado de parabiose, existem muitas indicações de que o estrogênio é um fator em estados funcionalmente suprimidos, como hibernação, subordinação social, desesperança aprendida e depressão. Subordinação social em animais frequentemente envolve alto estrogênio e, simultaneamente, reduzida fertilidade.
Em boa saúde, os sistemas animais são concebidos de tal forma que certos tecidos serão intensamente, porém muito brevemente, estimulados pelo estrogênio.
Mas esse estímulo pelo estrogênio não apenas produz uma quantidade abaixo do normal de CO2, como também o tecido experimentará uma privação de oxigênio, levando a edema e à divisão celular [junto com a redução da produção de dióxido de carbono existe uma aumentada peroxidação lipídica]. Qualquer estímulo semelhante, seja produzido por sufocamento por fuligem ou irradiação, por exemplo, produzirá aquele amplo espectro de efeitos do estrogênio, a começar com inflamação, mas terminando, lá na ponta, em atrofia ou câncer, se a exposição for muito prolongada.”
É mais ou menos como se os sistemas fossem sendo intoxicados pelo estrogênio. Pela emergência de outros hormônios – como a serotonina, o cortisol – que são estimulados pelo estrogênio, sendo que todos eles, de conjunto, vão adaptando o corpo àquele estado nada pleno em termos energéticos.
A essa altura, deve estar claro que papel o estrogênio está cumprindo, de hormônio acionado pelo estresse e, ao mesmo tempo, hormônio do estresse, que cria um círculo vicioso de estresse [Ver aqui, estrogênio hormônio do estresse].
Em certas circunstâncias, fisiológicas, como foi dito, ele cumpre um papel fisiológico, como quando há uma hipoglicemia ou alguma crise determinada ou no ciclo menstrual, por exemplo, mas esse papel, em qualquer condição, só pode ser cumprido se ele atuar por um pequeno período, e com presença determinante da progesterona.
O estrogênio tem suas propriedades especificas e tanto faz o tecido no qual ele apareça, o estrogênio se comporta como tal, por exemplo, é sua propriedade diminuir o oxigênio do tecido, diminuir a produção de CO2, produzir edema e, em consequência, ácido lático [e ácido lático é angiogênico, possui a propriedade de aumentar a malha de vasos da região], e, no limite, transforma colágeno em fibrose.
Essas consequências da função da molécula estrogênio, certamente e por curto período de tempo e em determinados tecidos da mulher, cumpre um papel específico, limitado, mas somente desde que seja modulado ou freado pela progesterona.
São antagonistas.
Estrogênio presente ao longo de um período longo, como o envelhecimento, provoca, invariavelmente, aqueles mesmíssimos efeitos negativos. Seu comportamento bioquímico, endócrino, é coerente.
A dominância estrogênica que escala com as décadas de vida, por sua vez, tem a cara do envelhecimento e vice versa, por conta dos seus efeitos próprios – estrogenização - , como hipóxia.
Suponhamos a mulher em gestação. A hipóxia induzida pelo estrogênio pode levar – naquele dado período de grande presença de estrogênio na mulher, a exemplo do começo de gestação – a aborto. Por queɁ Por conta da hipóxia impactando o feto, ou, em outras palavras, do estrogênio sendo estrogênio.
Ele precisa sempre ser entendido como uma molécula com propriedades determinadas, assim como cálcio tem suas propriedades específicas e, a partir dessa ideia, pode-se entender que quando ele permanece presente por certo tempo, em um processo de estresse crônico, ele produz os efeitos conhecidos como estrogenizantes, do estresse crônico instalado.
A radiação ionizante, por exemplo, é um tipo de estresse que provoca efeitos estrogenizantes [Ver aqui ] pelo fato de agir sobre os tecidos e acionar o estrogênio [via ativação da enzima aromatase]. O que vem a seguir é fruto de que o estrogênio inibe a respiração celular oxidativa, gera mais estresse via mediadores inflamatórios como a serotonina e outros.
Quando o estrogênio está bem presente, cronicamente atuante, ele tende a operar ou estar subjacente na construção de várias doenças tipo depressão, angústia, falta de esperança, também osteoporose, doença cardiovascular, diabetes mostrando seu papel de um grande agente do envelhecimento.
Em síntese, existe uma semelhança – na teoria desenvolvida em primeiro lugar por R. Peat - entre os sintomas comuns do envelhecimento e os efeitos esperados do estrogênio atuando nos tecidos no longo prazo.
O estrogênio produz mudanças do envelhecimento, como a fibrose nos tecidos conectivos [colagenosos], na pele, no cérebro, no sistema esquelético.
Nos marcos dessa dança dos hormônios do estresse, que inclui cortisol, adrenalina e outros, mas com destaque para o estrogênio, se pode formular uma ideia universal e bem concreta do envelhecimento.
Retomando a ênfase sobre uma da características do estrogênio, foi dito que ele é um agente hipoxiante, que “sufoca” tecidos, diminuindo a perfusão de oxigênio.
Ele é indutor de hipóxia; e na citação a seguir, Dr Peat mostra muito bem a relação entre a infertilidade que ocorre na menopausa, e também o mesmo processo em outras situações como a do uso da pílula [de estrogênio] e a infertilidade produzida por estresse crônico intenso [caso das atletas]:
“Usei o acúmulo anterior de pesquisas para entender a razão da infertilidade que ocorre relacionada à idade para ser entendida como o mesmo fenômeno da infertilidade induzida pelo estrogênio e, também, do estresse como indutor de infertilidade; ou seja: a dificuldade de oferta de oxigênio ao embrião, produz aqueles resultados; e penso que o embrião ainda em desenvolvimento é um indicador sensível de processos que ocorrem em todo o corpo durante o envelhecimento e no estresse, e que a destruição do embrião por excesso de estrogênio da pílula anticoncepcional é bem análogo à progressiva perda de função que ocorre em vários tecidos durante o envelhecimento normal.”[R. Peat]
A mesma molécula agindo em situações diferentes, em doses e tempos diferentes.
No caso do primeiro trimestre da gestação, o excesso de estrogênio aniquila o embrião, através do mesmo mecanismo citado – também reproduzido em outras situações – que é o da hipóxia, isto é: o estrogênio atua sobre a célula e tecido demandando mais oxigênio e mais energia do que o tecido pode oferecer ou receber.
O estrogênio cria uma excitação, um estado de demanda sem oferta.
Esse estado é o efeito da ação fisiológica do estrogênio em outras situações, mas quando ele causa o aborto, esse desfecho terá sido resultado da forma excessiva e intensa no qual a hipóxia produzida foi letal para o embrião.
Já foi demonstrado que é possível aplicar uma dose massiva de estrogênio e levar um tecido a necrose, sendo que, antes disso, o tecido ficará sem oxigênio, com aquela cor azulada que a mucosa uterina apresenta quando há excesso de estrogênio.
“Todas as doenças causadas pelo excesso de estrogênio parecem se desenvolver da mesma forma através da qual ele interfere na gravidez, que é mobilizando o tecido para demandar mais energia e oxigênio do que aquele que ele recebe.
Experimentalmente, necrose, a morte de áreas do tecido, já foram produzidas agudamente por overdoses extremas de estrogênio, ou podem ser produzidas gradualmente por overdoses menores. Se o estímulo estrogênico for mais suave, porém prolongado no tempo, o resultado geralmente serão tumores, algumas vezes se desenvolvendo em meio a atrofia ou necrose.
Uma overdose de estrogênio foi usada para encolher mamas e evitar lactação, e mesmo uma dose ainda maior foi usada para matar o tecido da mama no tratamento do câncer.
Um estudo recente mostrou que, ao menos em mulheres, o estrogênio está intimamente associado com a perda geral de tecidos fat-free [livres de gordura] durante o envelhecimento. Isso mostra uma estreita associação entre atrofia generalizada que ocorre no envelhecimento e a quantidade de estrogênio nos tecidos.”[R. Peat].
[Continua na Parte 2 de 2]
GM Fontes, Brasília, 21-4-24
As informações aqui presentes não pretendem servir para uso diagnóstico, prescrição médica, tratamento, prevenção ou mitigação de qualquer doença humana. Não pretendem substituir a consulta ao profissional médico ou servir como recomendação para qualquer plano de tratamento. Trata-se de informações com fins estritamente educativos. Nenhuma das notas aqui presentes, neste blog, conseguirá atingir o contexto específico do paciente singular, nem doses, modo de usar etc. Este trabalho compete ao paciente com seu médico. Isso significa que nenhuma dessas notas - necessariamente parciais - substitui essa relação.
NOTAS ______________________
[A] O ensaio acima foi inspirado no texto de R. Peat, intitulado Aging, estrogen and progesterone. Disponível em: https://raypeat.com/articles/aging/aging-estrogen-progesterone.shtml
[B] Nota sobre - o estrogênio hormônio feminino. Na citação seguinte, Ray Peat faz uma síntese do problema e do paradoxo de terem batizado o estrogênio como “hormônio do estro”, ou seja, do ciclo reprodutivo feminino, dos fenômenos da mulher, quando ele é muito mais que isso. Constitui, na verdade, um carro chefe, por exemplo, do processo de envelhecimento ou do estresse crônico, prolongado.
“A extrema generalidade do fenômeno da estrogenicidade, construída durante o século XX, tomou o conceito, em suas funções específicas ligado ao estro à reprodução e ativação de programas genéticos do animal fêmea, não permitiu que se veja como a substância viva responde a certos tipos de estímulo.
Hans Selye usou vários nomes para a biologia do estresse, mas a expressão mais precisa, de parte dele, seria síndrome de adaptação geral.
Mas a biologia da estrogenicidade, assim como a biologia do envelhecimento, é tão central que qualquer nome tem a possibilidade de confundir. O acidente histórico de nomear um hormônio para o estro não deve servir para nos enganar a respeito de como o estrogênio afeta a nossa energia, as nossas estruturas, e como tais processos, sobre os quais ele impacta, se relacionam com o envelhecimento, a atrofia, cancerização, etc. Ao passo que a progesterona é, provavelmente, o mais perfeito hormônio antiestrogênico e, por isso mesmo, um hormônio antiestresse e antienvelhecimento, o reconhecimento da ampla variedade de efeitos do estrogênio torna possível ajustar várias coisas em nossa alimentação e em nosso ambiente para que possamos, de forma mais perfeita, nos opor às influências estrogênicas de aceleração do envelhecimento.”[R. Peat]
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