.spoilers variados e imaginados
Pobres Criaturas perdeu uma ótima oportunidade de realizar um ensaio sobre a condição humana e sua relação com a moral. Digo perdeu, porque ao tentar ser tudo ao mesmo tempo com sua releitura de Frankestein moderno, se enquadrou na cartilha dos produtores de Hollywood que tem que passar uma lição de moral ou raiva do mundo/homens (como falou Gabi Albuquerque aqui).
Por isso, ao sair do cinema, eu e meu marido repensamos o final do filme e chegamos a conclusão que faríamos um trabalho muito melhor do que o do autor. Num domingo à noite chuvoso não existe modéstia.
O filme é uma inovadora história de Frankenstein na qual o autor sabiamente usou uma mulher como monstro para que ela pudesse cometer qualquer tipo de atrocidade de maneira doce. Ainda mais com a cara de anjo da Emma Stone. Imagino que a ideia por trás fosse explorar o instinto primitivo do ser humano despido de moral. O que é um ser humano de corpo adulto e funcional que recebe um cérebro com o HD zerado? Essa realmente é uma experiência fascinante que responde a várias questões filosóficas da humanidade. Nós nascemos bons e o meio que nos corrompe? Ou cada um possui traços de psicopatia dentro de si que são revelados a medida do tempo?
A ver…
A história se divide entre 4 cidades: Londres, Lisboa, Alexandria e Paris. Começa e termina por Londres. No fim, chegamos a conclusão que se excluíssemos Paris da história, ela seria infinitamente melhor e mais profunda.
Se você assistiu o filme, imagine comigo:
O médico teve a oportunidade de fazer uma análise empírica de um adulto com cérebro de bebê. O começo do filme mostra perfeitamente os momentos de birra, os impulsos e a selvageria que conseguimos observar em uma mini pessoa quando temos a oportunidade.
A maneira que Bella, protagonista, descobre o sexo, uma coceirinha que a faz feliz é ingenuamente pura. O ser humano em sua forma mais humana: buscando prazer e fugindo da morte.
Quando ela parte para Lisboa, a melhor parte do filme, ela explora sem amarras todos os seus instintos: transa de todas as formas possíveis, se empanturra de pastel de Belem até vomitar, se emociona com músicas e cenários belíssimos e se choca com brigas entre casais. Não há freios. O único contrapeso é do canastrão do Mark Ruffalo que achou o papel de sua vida. Até ela conhecer os melhores personagens do filme na minha opinião: Martha e Harry. Uma pena não terem deixado os dois a guiarem pela sua busca sobre o que é ser humano por mais tempo.
Em um momento do filme eles começam a discutir sobre ética, moral, a crueldade humana e até onde ela vai. Harry, por ser um garoto que não aguenta ver as dores do mundo, mostra a Bella uma cena grotesca de pessoas sofrendo enquanto outras comem brioche. Após ter seu cérebro somente preenchido por impulsos de prazer e belezuras, ela se vê tendo sua primeira crise ao ver quão baixo o homem pode chegar.
A partir daí Bella vai para Paris, o roteiro a encaminha preguiçosamente para se tornar prostituta e delirar com o socialismo para, enfim seguir sua trajetória feminista de volta para casa e viver feliz para sempre como uma médica fodona. Boring. Mais do mesmo da jornada do herói.
Corta para o final imaginário.
E se Bella, ao invés de seguir para Paris, após seu surto em Alexandria buscasse com Harry e Martha o sentido da vida, e eles a instigassem a encontrar sua origem?
E se a partir daí, ela partisse em uma busca por moral no retorno a Londres, inquirindo seu Deus sobre o que aconteceu de verdade com ela?
E se quando ele revelasse a verdade, após mais surtos, ela o matasse?
E se, depois disso, ela seguisse para, de novo, pular da ponte e tirar sua própria vida?
E se acabasse assim?
Puf. Tela Preta. Sobem os créditos sem maiores explicações. Apenas com o gosto amargo da dureza da vida na boca.
Se assim fosse, não teria o final feliz com sorriso de canto de boca e piscadinha para a câmera (não teve, mas foi como se tivesse tido).
Não é coerente o viveu feliz para sempre com as discussões morais sobre o que é ser demasiadamente humano. Principalmente em um filme feito para chocar.
Sobrou um pouco de cartilha e faltou ousadia real. Faltou um final cru, dolorido. Algo para realmente doer na alma.
Minha sensação foi que o fim serviu ao diretor europeu que queria ver americana gatinha tirando a roupa e fazendo sua rota feminista para se dizer vanguardista. Essa fórmula já deu por hoje.
Acho, só ACHO, que se é para chocar, faz direito.
saí do filme sem saber se tinha gostado ou não. tenho a impressão de que o diretor se esmera mais na forma do que no conteúdo (já tinha achado isso em "a favorita"). lendo seu texto, descobri o que me incomodou: essa mania de final feliz. espero que você consiga refilmar o último ato. rs
Achei o filme formidable do começo ao fim mas gostei das suas sugestões também. Falem mal mas falem de mim é sinal de sucesso!