De 50 a 80. Kilos.
Quando o excesso de exercício passou a ser prejudicial, permitir que o meu corpo tomasse a forma que precisava tomar, passou a ser a melhor abordagem para a minha saúde mental.
Olá! Meu nome é Pat Tischler e In-Sight é a newsletter onde divulgo os vários tipos de textos e histórias que escrevo. Para quem acabou de chegar, bem vindx! Se quiser saber um pouco mais sobre mim, aqui está o link para o meu primeiro post, onde conto um pouco sobre a minha trajetória. O texto de hoje é uma divagação sobre as muitas razões que vejo para ter ganhado 30 kilos, e me sentir bem com isso.
Para quem me acompanha há algum tempo, acho que não será uma grande novidade a afirmação de que, durante grande parte da minha vida, fui uma pessoa bastante ativa fisicamente. E a verdade é que, desde muito pequena, sempre encontrei conforto na prática de atividades físicas.
Quando cito os grandes números como 11 anos de ginástica olímpica e cama elástica (4 vezes por semana), 10 anos de natação (de 2 a 3 vezes por semana), 10+ anos de ashtanga yoga (de 4 a 6 vezes por semana), sem esquecer todas as atividades intermediárias, que foram do balé, às intensas aulas de educação física quando criança, passando pelo hábito de andar muito em meu dia-a-dia, até outras como acroyoga, escalada indoor, e mesmo alguns anos de academia, me impressiono em como o exercitar-me definiu mais de três quartos da minha vida.
Desde 2015, no entanto, fui obrigada a confrontar uma desconfortável realidade: a de que o meu corpo já não podia mais tolerar esse ritmo. E, desde então, esses longos nove anos se passaram em uma mistura de tentativas de negação, investigações de possíveis razões, descobertas inusitadas, e o gradual desapegar-me daquilo que antes era uma necessidade e hoje se tornou uma impossibilidade.
Aqui, vou apenas tratar dos aspectos psicológicos. Haverá um outro texto sobre o meu processo investigatório e as descobertas que fiz sobre o tema.
Então vamos lá:
Até os meus 39 anos, sempre fui "naturalmente" magra pois fazia muito exercício físico. Muito. Eu tinha energia e precisava de um lugar onde colocá-la. No entanto, todas as vezes que, por seja lá que razão, parei, notava uma clara tendência a ganhar peso. E por que?
Vejo hoje que, desde muito nova, eu sentia demais. Sempre absorvi a energia ao meu entorno e não sabia muito bem o que fazer com ela.
Eu era sensível, mas não tinha uma voz para expressar esse meu lado.
De alguma forma, eu não compreendia o que toda aquelas emoções significavam, e via a minha sensibilidade como indesejável, como uma fraqueza, então a escondia e transformava aquilo que não tinha "utilidade" em vigor e movimento. Essa era a minha forma de
Sentir menos.
De ser menos.
De ser menor.
Mas isso funcionava apenas parcialmente. Durante a infância e adolescência, desenvolvi uma "braveza", uma forma explosiva de lidar com sentimentos ignorados que precisavam sair não pela via física, mas pela expressão verbal.
Olho para trás e vejo uma pessoa que não podia ser ela mesma. Posso tentar responsabilizar padrões familiares, escolares, sociais, mas grande parte disso vinha da minha própria falta de aceitação da minha
Fragilidade.
Eu me jogava na ginastica olímpica, na natação, na yoga, pois eram as únicas ocasiões em que eu não precisava fingir.
Eu podia apenas ser. Sem medo de explodir.
De quebra, me sentia forte, corajosa, invencível. Houve épocas em que cheguei à beira do kamikazi na forma como abordava novos desafios em cima da cama elástica. E, posteriormente, na acroyoga.
Minha vida de ginasta me trazia paz e foco. Minha vida de nadadora me colocava em estado meditativo. Quando comecei a praticar ashtanga, fui tomada por uma onda de familiaridade, como seu eu tivesse voltado para casa.
Todas elas me ajudavam a manter minha atenção longe dos meus sentimentos e, de quebra, colaboravam para eu me mander magra.
O que, em minha cabeça, era algo bastante importante. Especialmente quando via a forma como pessoas gordas eram ridicularizadas e tidas como preguiçosas, ou como pessoas que engordavam se submetiam às coisas mais absurdas para voltar ao seu peso normal.
A falta de contato com meu mundo interior não me deixava ver que esses moldes estavam afetando não apenas a minha aparência.
Acabei achando natual atender a expectativas que não eram minhas, com prioridades que não me diziam nada. Quando fui escolher a tão temida "carreira para o resto da vida", a ideia de estudar educação física para ser professora de ginástica olímpica foi tida como infantil. Aquilo era coisa de criança, e aos 16 anos de idade eu precisava encontrar uma "profissão de verdade".
Assumir que eu não tinha a menor ideia de quem eu queria ser, nem pensar. Isso, jamais.
Foi assim que escolhi a faculdade que cursei sem ter o menor interesse, fingindo que estava tudo bem. Foi assim que acabei prestando concurso público apesar de saber que eu não tinha esse perfil, por não ver alternativas.
Afinal, após uma vida inteira sem me permitir ver quem eu era, não tive em que me apoiar quando precisei decidir quem eu queria ser.
E o que o meu peso tem a ver com isso?
Sempre me senti muito mais gorda do que “deveria”. Mesmo com todas as atividades físicas, nunca fui dessas pessoas finas, delgadas, musculosas. Tinha pernas grossas, seios grandes, torso curto, com uma barriga que nunca ia embora.
A necessidade de magreza que eu sentia era minha tentativa de me adequar. Eu precisava ser quem não era, e assim, não mostrar minha sensibilidade, não assumir que eu não gostava do curso que escolhera, não confessar a absoluta falta de noção sobre o rumo que eu queria tomar.
Não ocupar tanto espaço.
Não expandir.
Não explodir.
Creio que muitas mulheres sofrem com essa pressão das aparências. Não apenas as físicas, mas principalmente as psicológicas. E, talvez, muitas também tenham feito como eu e, para não confessarem a própria ignorância, assumiram as prioridades que lhe pareceram sensatas como se fossem suas.
Nas poucas ocasiões em que eu não estava envolvida com alguma atividade física, que mantivesse meu foco e meu metabolismo sob controle, eu rapidamente ganhava peso. Naturalmente. Eu precisava de sustância para, sozinha, enfrentar as durezas que a vida me trazia.
A culpa que permeava qualquer variação de peso me fazia me sentir horrível, preguiçosa, inútil.
E não demorava muito para eu encontrar mais uma atividade em que colocar minha mente e gastar a energia que me traria novamente ao "meu normal".
Naquele fatídico ano de 2015, no entanto, as coisas começaram a mudar. O meu corpo começou a dar sinais de que aquele excesso de exercício não estava me fazendo bem.
2014 foi o ano em que comecei a compreender melhor quem eu queria ser. Que comecei a investigar uma criatividade que eu jamais achei que existisse. Foi o ano que pulei de lugar em lugar como uma borboleta curiosa.
Até que, já no início do ano seguinte, comecei a ganhar peso justo quando minha vida era dedicada a yoga, acroyoga e viagens. E eu comia como um passarinho.
Descobri uma disfunção de tiróide. Machuquei as costas em um acidade que, hoje vejo, me mostrou aquilo que eu me recusava a ver sozinha.
Aos poucos fui percebendo que eu já não podia mais viver daquele jeito, mas, para continuar viva, precisava refazer os meus parâmetros de quanto espaço ocupava.
Espaço físico e psicológico.
Como disse, comecei a engordar quando estava no auge das minhas atividades. Parei todas elas. Voltei a nadar um pouco. Parei. Comecei a desenvolver minha própria prática de yoga. Que foi se tornando cada vez mais leve, mais suave, mais delicada. E em cada passo, ganhava mais um tanto de peso.
Sem automentar a quantidade ou piorar a qualidade do que comia.
Em compensação, dei asas à minha imaginação com histórias fictícias que se transformavam em roteiros, em romances, em contos; com enredos, personagens, mundos que brotavam em minha mente como cogumelos após a chuva.
Mas apesar de enfim ter encontrado quem eu queria ser, as necessidades financeiras reais me obrigaram a voltar ao meu trabalho de servidora pública. E o meu peso que, depois de ter sofrido um aumento havia se estabilizado, voltou a crescer.
O meu relacionamento com essa profissão é, no mínimo, conflitante. Não posso deixar de dar valor à independência financeira que ela me trouxe e, com isso, a liberdade de investigar todo aquele mundo interior que passou metade da minha vida inexplorado.
Mas também não posso ignorar (já que sentimentos ignorados e suas consequências é o real tema desse texto), que o ambiente estéril e abusivo do Itamaraty conduzem a níveis de stress que, uma vez mais, exigem que eu tenha lastro, que eu fisicamente tenha condições de manter a minha estabilidade e, com ela, a minha sanidade.
Passei dez anos tentando deixar esse trabalho para traz e construir outras formas de ganhar a vida. E se encontrei várias que me satisfaziam pessoalmente, nenhuma delas se mostrou sustentável financeiramente. Então voltei.
Mas tenho observado um efeito interessante ultimamente: o que antigamente eu conseguia manter sob controle com exercícios, agora estou estabilizando com meu peso.
Com minhas novas formas e densidade corporal, tenho conseguido, aos poucos, me impor, estabelecer limites e dizer o que preciso com equanimidade, como nunca antes havia conseguido.
Nunca.
O que estou percebendo é que nem mesmo durante os meus anos hard core de yogi dedicada, eu jamais consegui ocupar o espaço que precisava.
E esse 30 kilos que me mantém mais firme no chão estão me evocando os aprendizados que tive em cima do tapetinho, com pés atrás da cabeça diariamente.
Eu tenho 1,57m de altura.
Morei os primeiros 28 anos da minha vida em São Paulo, sendo chacoalhada em transportes coletivos, atropelada por pessoas altas que "não me viam", ou que achavam que, por ser pequena, seria mais fácil me mover, me empurrar. Cotoveladas na cabeça eram o meu dia a dia. Sem falar no peito, no pescoço, no ombro. Quantas vezes não fiquei de pé no ônibus com a cara enfiada em uma axila suada.
1,57m. Naquela época, eu pesava entre 50 e 53 kilos. Eu era leve. Flexível. Sensível. Eu bebia muito para conseguir suportar tudo isso. Tanto as multidões como todos os modos em que eu me percebia invisível, irrelevante, ignorada.
1,57 e 80 kilos, sinto que tenho peso, que sou minha própria âncora, e me vejo não mais desviando de encontrões por medo de ser jogada para longe. Hoje, quando "não me veem", o meu peso faz com que esbarrar em mim ao menos mereça uma olhada para trás, para ver de onde veio a resistência.
Sim, resistência.
No momento, amo o meu corpo rechonchudo. Não por razões estéticas, de afirmação de belezas em tudo ou em todos.
No que eu absolutamente acredito.
Mas, especialmente, pois o novo corpo acolchoado está me mostrando que a ideia de que ter auto-estima significa fazer o esforço para mudar o meu corpo, ou quem eu sou de verdade, é falsa.
Que a ideia de uma “saúde” baseada em preceitos estéticos é para lá de equivocada. Minha dieta é bastante saudável.
E essa sou eu. Não importa se não conseguem encaixar minha forma redonda em um quadrado.
Auto-estima está me permitindo dar valor a essa pessoa que estou me tornando, com tudo o que está incluído no pacote. Sensibilidade. Confusões mentais. Criatividade.
Solidez física.
Que me permite atingir a estratosfera do impossível com a minha imaginação.
Expandir. Explodir. Engordar.
Antigamente, eu era leve. Volúvel. Maleável. Moldável. Mas não tinha segurança nisso. Fingi ser outra e acabei me tornando invisível para mim mesma.
Agora, consigo até adorar esse meu corpo fofo.
Ele é seguro. Me dá estabilidade. Segurança. Eu ocupo a cadeira toda. Eu ocupo o batente da porta. Isso, para mim, é melhor do que ser cobiçada por olhares que exigem que eu seja quem eu não sou.
Esse simples ato de ocupar o meu espaço físico me ajuda até a escrever esses textos, e colocá-los no mundo, sem me questionar milhões de vezes, ou acabar desistindo por que ninguém vai ler. Ou o que vão pensar?
Ser a minha própria estabilidade me permite não precisar de validação alheia.
Me permite ver que a opinião dos outros sobre mim só esclarece coisas sobre eles mesmos.
Sei bem que essa tal estabilidade que o peso me dá é ilusória. E talvez ela nem seja sustentável a longo prazo. Mas, observando meu corpo, que é a maior fonte de informação e referência que tenho, aprendi a confiar que é isso que preciso nesse momento.
Ao invés de emagrecer para me sentir bem, prefiro me sentir bem por saber que, nessa nova fase da vida, posso ser quem eu precisar ser. Sem fingir. Sem me adequar. Sem ter que ficar pulando de flor em flor.
Atualmente, além dos 30 kilos, também adotei um gato e adquiri móveis para formar um lar que nunca tive. Da próxima vez que me mudar, não estarei mais só com uma mala de 23 kilos e uma mochila. Se ainda amo viajar, tenho dado maior atenção às minhas viagens internas do que às externas.
E está tudo bem. Nada disso precisa ser permanente.
No fim do dia, o corpo é transitório, os kilos vem e vão, mas o me conhecer e respeitar, descobri, deve ser a minha única constante. No matter what.
E é isso.
Obrigada por seguirem comigo nessa viagem que é a vida.
Até a próxima.
Pat