Por Barbara Heckler e Camila Camargo
Tim-tim
Não conheço minha existência sem uma ânsia pelo futuro. Lembro vividamente de uma cena quando era adolescente em Jundiaí, louca para voltar à capital. Estava em meu quarto numa tarde de calor e passei a mentalizar tanto a vida como jornalista em São Paulo, que comecei a chorar. Queria adiantar a rotação da Terra, realizar logo esse desejo. Puro creme de ansiedade.
Esse plano norteou os tempos seguintes, com o cursinho e o objetivo de vir para cá concretizar aquela cena. Bom, o destino deu grandes voltas. Fui parar em Campinas, em Ciências Sociais. Passei em jornalismo depois, fazendo as duas faculs ao mesmo tempo, e foi só no quarto ano, após tantos desvios, que finalmente a hora chegou. Recebi uma ligação da Editora Abril, ao entrar na minha kitnet, dizendo que eu tinha passado no processo seletivo. Desmoronei no chão, chorava, pulava, tudo com a moça do RH ao telefone. Zero compostura.
Depois disso, listar onde eu queria chegar virou minha força motriz. "Essa história de deixar a onda me levar não é comigo", dizia. Mas, esse ponto tem o lado reverso. Fazer o balanço de dezembro e entender que os tiques não foram assinalados conforme premeditados 365 dias antes, causa uma frustração. As metas menores, como “entender melhor sobre finanças”, "começar a investir na bolsa", essas não ligo. Nasci pra entender sobre gente, os números são outra categoria, esquece.
Mas as maiores são um baque. Não conseguir fazer tantos trabalhos bem remunerados, postergar uma ideia maravilhosa que dava pra ter sido realizada (será?), conhecer lugares desconhecidos no Brasil (sem jeito, com essa inflação), ser mais presente com meus sobrinhos que moram em outra cidade (poderia ter me esforçado).
O que reflito agora, enquanto escrevo, é que ok, algumas coisas não deram certo, porém não dá pra dizer que deu tudo errado. Terminei minha série, um projeto de anos, entregue lindamente ("Alma em Madeira'', sobre design e marcenaria estreia no fim de janeiro no Canal Curta!!! Assistam e espalhem!). Fundamos finalmente a PAVIC, associação de pesquisadores de audiovisual, iconografia e conteúdo. Persisti na terapia. Continuamos essa newsletter bravamente. Mudei para um apartamento menor, mas mais confortável. Consegui me preparar com esmero, fisicamente e mentalmente, para a viagem mais linda que eu fiz na vida, nos ventos patagônicos.
A real é que eu tenho uma tendência a ver o copo vazio. Só que cada vez mais, me esforço para olhar a parte cheia. Estou aqui, nesse momento, fazendo isso. Beirando aos 38 anos, se eu não for capaz de enxergar as conquistas e ter a paciência madura de entender que tu-do-tem-seu-tem-po, então a velhice vai ser muito frustrante.
Um brinde ao que conquistamos, mesmo que não tenha sido aquilo que planejamos.
Boas metas para 2023, aquelas que dão certo e as que a vida oferece sem a gente pensar.
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BARBARA pesquisa a melhor forma de não se frustrar
Pequenos grandes planos
Festa na piscina para animais de estimação, o grande retorno das raves e o adeus ao açaí - em 2023, os superalimentos mais bacanas virão do mar. Li no relatório anual de tendências do Pinterest, enquanto recapitulava todos os dezembros que passei por documentos assim. Se antes pareciam espertos e promissores, depois da pandemia tudo soa tão aleatório, né?
Coloca luva de plástico no restaurante por quilo, espirra álcool no pacote do arroz. Não, não precisa. Vão morrer mil, quer dizer, um milhão de pessoas. Ninguém previu nada direito? Que ampla a margem de erro!
Ainda na caixa de entrada do email, vejo veículos diferentes afirmarem que o tema "comunidade" vem com tudo. Já não veio? Não seria uma condição inerente à humanidade desde que aprendemos a plantar e colher, 10 mil anos atrás?
E o que pensar desta entrevista da Lu, influenciadora virtual 3D do Magazine Luiza, para a Marília Gabriela? É assim que o futuro se parece?
Abraçando aqui a contradição (e ainda lembrando do gol de contra-ataque da Croácia), considero que a tendência é não cantar muito a bola. Mais convites à reflexão e menos certezas, como trouxe a edição 191 da Bits to Brands, newsletter da estrategista de marcas e curadora de conteúdo Beatriz Guarezi:
Talvez o Instagram esteja caminhando para o seu fim, talvez o TikTok seja o novo Google, talvez esse tal de BeReal cresça ainda mais ano que vem, talvez estejamos presenciando de fato a chegada de uma nova internet, com novas regras e novas plataformas dominando.
Talvez. Enquanto isso, no microgerenciamento da vida, gosto de criar expectativas demasiadamente possíveis para 2023:
1. Usar a palavra "inapelável" em algum texto, 2. Ter um estoque variado e surpreendente de temperos, 3. Hidratar melhor o pé.
Ficarei feliz se tiver o gostinho de cumpri-las.
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CAMILA vem pesquisando metas simples e altamente satisfatórias
Você me interessa:
Natalia Miguel trabalha no audiovisual, é professora de yoga e ainda tem a newsletter Namastensa, onde conecta reflexões cotidianas com ensinamentos da prática indiana.
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Qual seria o melhor resumo do que você faz aqui, no mundo?
Sou diretora audiovisual, filmmaker e professora de yoga, alongamento e mobilidade. Tudo junto, ao mesmo tempo. Naquelas auto análises entendi que essas duas áreas, aparentemente distantes, vem de uma curiosidade sobre o ser humano e como a gente se arranja em sociedade. O audiovisual sempre me atraiu pela possibilidade de estudar diferentes assuntos, entrevistar pessoas de outros universos, compreender mais sobre nossa cultura, nossos desejos e jeito de viver. E aí o yoga chegou mais tarde trazendo novas perspectivas sobre a complexidade do indivíduo, sobre corpo, mente, espiritualidade, outras culturas e outros modos de estar no mundo.
Acredito que minha intenção, hoje, é caminhar essa jornada com mais harmonia, trocando conhecimento e passando adiante alguns benefícios dessas ferramentas pra quem também tem interesse. Tá mais do que na hora de viver com mais equilíbrio na era do colapso capitalista-ambiental, da desconexão e desrespeito à natureza que, não por acaso, é também a era do colapso mental, o burnout.
Listas de fim de ano: como administrar as angústias e ansiedades em ticar os itens, com a persistência de cumprir as metas?
Entrei em 2022 considerando ser um ano de retomada pós-caos-completo-da-pandemia, então, meu plano era não me cobrar demais, mas sim retomar o trabalho no audiovisual, que, por aqui, ficou completamente estagnado por 2 anos. Essa resolução foi bem, mas, conforme o ano foi avançando, percebi que a pandemia não só havia desestabilizado nossa conta bancária (e quebrado muita gente), como transformou profundamente a forma como nos relacionamos.
Me tornei uma anti-social, cansada, e sei que não fui a única rsrs. Não sei se é definitivo, ou uma fase, mas olho pra isso com bastante carinho e acolhimento, porque, se todo mundo aqui viveu no mesmo planeta nos últimos anos, sabemos os maus momentos, lutos e ciclos que se fecharam contra nossa vontade. Acho que a gente ainda não compreende a dimensão real do impacto dessa experiência, mas seria estranho se não nos afetássemos com ela.
Aprendemos à força que o controle que temos sobre qualquer coisa é uma ilusão e uma prepotência. Talvez a gente esteja começaaaando a entender qual o nosso lugar neste mundo, que não estamos acima do bem e do mal, nem da força da natureza, pelo contrário, temos limites, estamos destruindo nossa casa cada vez mais rápido e isso custa caro. A conta chega.
Para minimizar os danos, o planejamento daqui pra frente poderia ser a partir do hoje. O agora é o único tempo palpável e que pode ser moldado. A meta é construída no dia a dia e, se a gente tem uma vontade, não faz sentido esperar até segunda-feira, mês que vem, virada do ano, ***melhor momento***. Se olharmos para esse segundo com o valor que ele tem, vamos estar inteiros ali, conscientes e fazendo nossas melhores escolhas, a fim de realizar nossos desejos mais profundos. Estamos em dezembro e quer hora melhor do que essa para começar um projeto?
📌 Uma Dica de Cada
[Barbara] FilofLife. Com curadoria de Catherine Le Hénan, "documentarista comediante” como se define, esta página no Insta é um bálsamo na vista, ao selecionar imagens um tanto poéticas, um tanto oníricas. Uma delas ilustra a abertura dessa news.
[Camila] Vita Lenta - Perfil do Instagram com italianos, em sua maioria velhinhos, curtindo il dolce far niente.
[Natalia] Futuro Ancestral - Ailton Krenak. Em vários dos textos da coletânea, Krenak analisa como devoramos nossa terra com fúria, comandados pelo progresso, substituindo a ideia de cidadãos, pela experiência de consumidor. Tudo converge para uma frase dele que se tornou o título do livro, "se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui." Vale a pena aprender com quem resiste há séculos ao extermínio, crises e colapsos.
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