#2 Qual a causa dos transtornos mentais?
O que andam ensinando por aí, o argumento de autoridade e o que a ciência nos diz atualmente.
Ontem, na aula de Psicologia para Deficientes falávamos sobre o Autismo e um dos colegas de turma perguntou sobre qual seria a origem desse transtorno. A professora, prontamente respondeu:
Pela minha vasta experiência clínica, ao longo dos meus 20 anos de carreira, posso afirmar com segurança que a causa do autismo é de ordem congênita, desenvolvida ao longo da gestação. Não é de ordem genética, ou seja, não é transmitida pelos pais, mas “sem dúvidas”, a criança já nasce com a doença.
Questionada por outro estudante ao que ela atribuiria essa epidemia de diagnósticos de autismo que estaríamos vivendo atualmente, tornou a prontamente responder:
O aumento de diagnósticos de autismo percebido atualmente tem sua causa na alimentação, ocasionada pelos produtos transgênicos, ultra processados e substâncias químicas colocadas nos alimentos, como corantes, acidulantes e saborizadores.
O embasamento científico desta professora?
Duvide, reflita e estude!
Sabemos o quanto a graduação de psicologia aqui no Brasil atualmente é permeada de pseudociências, teorias que já foram refutadas, conhecimento de senso comum (como exemplo a fala da professora acima)… E por isso mesmo o quão fundamental é não acreditarmos em tudo que ouvimos e lemos por aí. Principalmente, não podemos assumir como verdade algo que ouvimos de alguém “só porquê ele tem um doutorado ou porque tem 20 anos de experiência”… isso é o que se chama de “argumento de autoridade”.
Essa pessoa pode estar enganada, o tal conhecimento já pode ter sido refutado, podem existir evidências mais robustas que o contradizem ou ele está mesmo só colocando um achismo na mesa.. com base em sua experiência anedótica, ou seja, utiliza o que observou acontecer com ele mesmo ou com alguém próximo e generaliza a fórmula para todos…
No livro do Dalgalarrondo, ele cita o filósofo Roger Bacon e seus preceitos para auxilia que auxiliariam a distanciar-se do erro e aproximar-se da verdade e o que devemos evitar:
As referências a autoridades não apropriadas: porque um “grande autor” afirmou algo, isso não torna a afirmação automaticamente verdadeira. É a crítica ao chamado “argumento de autoridade”.
A influência indevida dos costumes: determinados “hábitos cognitivos” podem induzir a graves erros.
As opiniões da multidão não educada: hoje chamadas de “senso comum”, que podem ser, apesar de amplamente aceitas, cientificamente falsas.
As atitudes de aparente sabedoria, pois, muitas vezes, apenas disfarçam a ignorância.
Pois então, qual a origem dos transtornos mentais?
Segundo o DSM-5, a definição de transtorno mental é a seguinte:
Um transtorno mental é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes. Uma resposta esperada ou aprovada culturalmente a um estressor ou perda comum, como a morte de um ente querido, não constitui transtorno mental. Desvios sociais de comportamento (p. ex., de natureza política, religiosa ou sexual) e conflitos que são basicamente referentes ao indivíduo e à sociedade não são transtornos mentais a menos que o desvio ou conflito seja o resultado de uma disfunção no indivíduo, conforme descrito.
Apesar da nomenclatura pesada, a etimologia remete à desordem, bagunça, ‘veio a transtornar’.
O Transtorno mental é caracterizado pelo sofrimento psíquico e prejuízo significativo em diversas áreas da vida: pessoal, social, profissional, acadêmica, em relacionamentos amorosos – tanto a si quanto a terceiros.
A CAUSA É MULTIFATORIAL
O transtorno mental se desenvolverá em um terreno fértil. Não há uma só causa para que ele aconteça, mas quanto diversos fatores estiverem presentes:
Predisposição genética / biológica
Condições sociais
História de vida
Eventos estressores
Acontecimentos na infância
Relação com seus cuidadores
Personalidade
CORRELAÇÃO X CAUSALIDADE
É ingenuidade atribuir a um evento a causa do desenvolvimento de uma psicopatologia. Apesar de ser tentador, atribuir um evento ou uma alteração biológica a um transtorno, não se pode fazer isso. Não é porque fui abusada que, certamente, desenvolverei um transtorno. Isso pode ter relação com um transtorno que eu venha a desenvolver? Certamente, mas não podemos atribuir causa ao evento somente.
Correlação é: “Eu fui abusada sexualmente na infância, então, esse é um dos fatores que podem contribuir para que eu desenvolva um transtorno lá na frente e não a única causa do problema. Nem todas as pessoas que sofrem um sequestro, assalto, acidente, desenvolverão, necessariamente, TEPT (Transtorno de estresse pós traumático). Há pessoas que passam por essas situações que desenvolvem e outras não. As pessoas enfrentam acontecimentos de forma diferentes. O que é grave para uma pessoa, para outra pode não ter sido tanto ou a forma como ela enfrentou foi diferente.
Saber a causa não resolve, necessariamente, o problema. O tratamento independe da natureza do trauma, da intensidade do evento, é focado no sofrimento atual, no prejuízo que você está tendo em sua vida, naquilo que está disfuncional. Isso não quer dizer que o evento (se é que existiu) não será abordado na clínica, a terapia pode ajudar a ressignificar aquela dor. Mas não devemos atribuir (somente) a um único evento a questão apresentada. São diversos fatores que, juntos, são responsáveis pelo transtorno.
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Já que estamos no chamado “Setembro Amarelo” vou recomendar a live que a ABPBE organizou entre o Dan Josua (um dos membros fundadores) e o Tiago Zortéa, que é um brasileiro referência no estudo da suicidologia.
Para os fãs de GoT (conhecido por aí como Game of Thrones), sugiro muito o spin-off que a HBO lançou há algumas semanas, A casa do Dragão - história que se passa uns 150 anos antes de GoT. Os capítulos são mais dinâmicos, a história te prende do início ao fim. Um episódio por semana, aos domingos. Corram porque quatro já foram lançados.