2.
Disclaimer: essa não é uma newsletter para pessoas felizes, sabendo disso, talvez esse seja um dos textos mais tristes e pessoais que já escrevi. E não, não aceito respostas otimistas.
Esse áudio foi enviado por uma amiga durante nossas conversas sobre vida, relacionamentos e etc. Antes da leitura, ouça. É o contraponto do texto e provavelmente a opinião de vocês.
Sempre morei em uma avenida cheia de crianças, vizinhos que cresceram juntos, se tornaram crianças juntos, depois adolescentes e adultos — essa parte mais separados. Por conta disso, fizemos muitas descobertas juntos e tivemos várias experiências juntos que iam desde as mais bobas (“você sabia que Fulano reprovou de novo?”) às mais sérias (“cara, Fulana tá namorando outro motorista de ônibus, acredita?”).
Em um determinado ponto da nossa infância/adolescência, o contato com os relacionamentos começou a surgir. O vizinho 1 estava namorando a vizinha 2, que mora na casa mais à frente, mas a família não apoiava muito. O vizinho 3 estava muito a fim da vizinha que morava na casa que tem um pé de árvore, mas o avô dela era um carrasco e nem deixava ele se aproximar. A vizinha 2 terminou com o vizinho 1, porque ele estava a fim da neta de Caroso. Ihh, parece que vão namorar.
Nesses ínterins de idas e vindas de relacionamentos, estava eu. A única que não namorava ninguém, mas a única que os irmãos mais velhos do melhor amigo achavam legal beijar escondido — mas muito escondido. Eu tinha entre 10 e 11 anos na época e eles, entre 16 e 17. Não vou comentar aqui as coisas que eles pediam para fazer, porque acho que você já deve ter imaginado.
Na minha cabeça idiota, eu era a pervertida que deixava que aquilo acontecesse, até porque quem manda ter dez ou onze anos e ter um corpo delineado e uma bunda gigante, não é mesmo? De quem mais seria a culpa se não minha?
O tempo foi passando e a adolescência de fato chegou para todo mundo. No auge dos 17 anos, enquanto minhas amigas colecionavam flores, cartas românticas, declarações, apresentações aos pais, etc e tal, eu colecionava frustrações. Pseudorrelacionamentos com pessoas que não davam a mínima para mim e amigas bonitas para apresentar aos meus amigos, para que quando não desse certo, eles virem brigar comigo porque eu não tinha feito o “papel de amiga correto”.
Mas, nunca, nunca a escolhida.
Foi exatamente nessa época que percebi e comecei a aceitar que eu ficaria sozinha para sempre, e que essa coisa de amor, paixão, flores, etc, não era para garotas como eu. Garotas como eu só serviam para serem beijadas escondidas e terem suas bundas apalpadas sem o menor pudor.
Foi também nesse momento que comecei a esconder toda e qualquer característica feminina que eu tivesse. Usava roupas 3x maiores que o meu tamanho, meu cabelo estava sempre uma bagunça, as unhas malfeitas, a sobrancelha nem se fala. Maquiagem? De jeito nenhum, quero que gostem de mim porque eu sou legal. Adivinhem só? Risos.
A partir daí, comecei a acreditar que eu não era suficiente, não era bonita como minhas amigas, não tinha o mesmo cabelo ou corpo. Nem era tão inteligente ou interessante. Então por que alguém ficaria comigo podendo ficar com elas? Hoje eu entendo o quanto já me machucava naquela época.
No entanto, inconscientemente, eu tentava acreditar em outra coisa. Lembro que, uma vez, tinha esse cara na escola e falei para minha amiga que o achava muito bonito. Ela fez uma força-tarefa para que eu o encontrasse: penteou meu cabelo (não que eu não fizesse na época); me fez usar brinco (eu ODIAVA brincos); passou batom (minha nossa, para quê?). Até que sentamos na escada da escola e lembro que o rapaz nem ao menos se deu ao trabalho de olhar para o lado. Eu não preciso dizer o quanto aquilo machucou, né? Pois é, mas sempre fingi que não. Precisava ser forte.
Enquanto essas situações aconteciam, eu tinha mais certeza ainda de que ficaria sozinha para sempre. Estudei, me formei e me tornei uma adulta muito funcional — e isso é uma mentira terrível. Risos, de novo.
Mas de fato estudei, me dediquei ao trabalho, fazendo com que tivesse pouco tempo para pensar nisso, no entanto, aconteceu.
.respire ainda tem mais um pouco. pegue uma água ou chá.
A primeira vez que acreditei que poderia ser diferente foi em 2018, em uma caravana para Recife, quando conheci um rapaz do Ceará. Legal, interessante e tal, mas dez meses depois, por telefone, ele disse que o encanto tinha acabado.
Na segunda vez, foi um cara de Maceió que me deu até flores, mas o timing estava completamente errado, e ele era abusivo.
Na terceira vez, foi um cara com quem eu trabalhava. Foi algo muito turbulento até ele me ligar dizendo que estava indo encontrar outra pessoa. Eu nem sabia que estava em um relacionamento aberto.
Teve um momento que foi mais forte que todos os outros, mas a distância entre SP e SE — e acredito que a imaturidade e inabilidade de comunicar o que realmente queríamos — foram fatores decisivos. Acho que foi aqui, nesse momento, que pela primeira vez me senti próxima de viver um amor, um romance, igual aos que sempre sonhei.
E teve o último momento, que vivi o romance e acho que em certo ponto devo ter vivenciado o amor também e foi lindo, mas acabou.
A Ana Caroline de 16 anos, que era conhecida como Dan, se sentou comigo um dia desses e perguntou se o que ela acreditava naquela época continuava sendo verdade. A minha resposta para ela foi que sim, mas que não era porque a gente não tentou mudar isso.
Embora nós duas soubéssemos que, no fim, era isso mesmo, no fundo não era exatamente o que queríamos. Eu, como Ana Caroline de 37 anos, tinha como uma obrigação mostrar para aquela Dan de 16/17 anos que o pensamento dela estava completamente errôneo e que, um dia, nós teríamos a mesma chance que Nilmara, Darlane, Talita, Sarah e Daniele tiveram no passado.
Ter um romance, ter alguém que se importasse, ter alguém que pudéssemos contar sobre nosso dia, ouvir atentamente o que outro tinha a dizer, alguém que nos beijasse em público e fizesse declarações caretas de amor.
Alguém que segurasse nossa mão e dissesse que tudo ficaria bem porque não estaríamos sozinhas naquela caminhada. Alguém que nos desse flores. Alguém com quem a gente pudesse comemorar o famoso 12 de junho.
Alguém que nos respeitasse e entendesse as nossas dores e atravessamentos, que entendesse que o medo do abandono é presente e real. Alguém que nos olhasse com reverência, carinho e amor.
Eu devia isso a ela, porque é por ela que estou aqui. Eu precisava me curar por ela. Precisava mostrar para ela que é sim uma pessoa digna de afeto, que ela não é uma pessoa para ser escondida, aquela garota é maior que tudo. Mas nesse momento, me falta forças.
Sei que preciso, sei que devo fazer isso, mas não sei se consigo. A cada dia que passa, esse ideal de amor que construímos na nossa cabeça está cada vez mais distante. E eu fico triste, não por mim, mas por ela. Aquela garota de 16/17 anos sonhadora com um coração gigante, inteligente, incrivelmente linda e com o sorriso mais encantador do mundo merecia isso, sabe?
Quanto a mim, sigo acreditando que a vida é isso mesmo. O amor vem fácil para algumas pessoas e simplesmente acontece, mas para outras nem tanto. Requer paciência, requer esperança, requer muitas coisas que não sei se estou mais tão disposta.
Mesmo assim, confesso que não quero mais ficar sozinha e acho que, por conta disso, coloquei muita expectativa no último relacionamento, que eu adoraria que fosse o último. Quando tudo terminou, minha mente recebeu vários lembretes de que a verdade é isso aí: eu não mereço, não sou uma pessoa fácil de amar, e que há uma grande probabilidade de ficar sozinha. E não, eu não estou OK com isso, mas preciso seguir minha vida de alguma maneira — se não por mim, por elas.
Se você leu até aqui, obrigada.
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