Alexandre, o medíocre, golpista do Tucumã
Onze anos após Jornadas: o presente pós-pontecalíptico do Plano A
Na primeira noite eles se aproximam / e roubam uma flor / do nosso jardim. / E não dizemos nada. / Na segunda noite, já não se escondem: / pisam as flores, / matam nosso cão, / e não dizemos nada. / Até que um dia, / o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a luz, e, / conhecendo nosso medo, / arranca-nos a voz da garganta. / E já não podemos dizer nada. (Eduardo Alves da Costa)
When I despair, I remember that all through history the way of truth and love have always won. There have been tyrants and murderers, and, for a time, they can seem invincible, but, in the end, they always fall. Think of it — always. (Mahatma Gandhi)
[Antes das redes sociais,] éramos felizes e não sabíamos. (Alexandre de Moraes)
Remember when Bolsonaro was the fascist? Yeah, me too… (Sean Ono Lennon)
A última: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.” Rothbard? Paulo Freire. E assim iniciamos mais um artigo irritando ambos os pólos com sucesso. Prossigamos.
Como já havia começado a escrever o texto antes do Twitter Files Brasil ser divulgado, deixarei o episódio Elon Musk para o final. Por ora, tratemos do que este artigo se propôs desde o início. Não, irritar os leitores, não. Não de modo geral, ao menos. Irritar os fascistas que porventura venham a lê-lo, talvez. Foge não, jovem netista do amor. É com você mesmo que estou falando. Também. Senta e escuta. Aprende a escutar um pouco, desliga o umbigo. Isso, assim. Baixa essa crista. O umbigo sobre o qual trataremos aqui (na falta de crista) é de outrém – acostuma. Talvez ajude a elucidar uma coisa ou outra sobre o cordão umbilical da dejecção em que nos metemos. “Com o Supremo, com tudo”.
Há seis anos, o hoje presidente do STF, Min. Luis Roberto Barroso, fez história ao assim se dirigir ao colega de toga, Gilmar Mendes, em sessão transmitida pela TV Justiça e replicada aos quatro cantos:
Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. (…) V. Exa. não consegue articular um argumento. (…) A vida para V. Exa. é ofender as pessoas. Não tem nenhuma ideia. Nenhuma. Só ofende as pessoas. Qual é sua ideia? Qual é sua proposta? Nenhuma! É bílis, ódio, mau sentimento, mal secreto, uma coisa horrível. V. Exa. nos envergonha, V. Exa é uma desonra para o tribunal. Uma desonra para todos nós. Um temperamento agressivo, grosseiro, rude. É péssimo isso. V. Exa. sozinho desmoraliza o Tribunal. É muito penoso para todos nós termos que conviver com V. Exa. aqui. Não tem ideia, não tem patriotismo, está sempre atrás de algum interesse que não o da Justiça. Uma vergonha, um constrangimento.
Os centros acadêmicos espalhados por todo o país foram à loucura. Ainda eram antissistema. Os ânimos ainda estavam acirrados por conta da Lava Jato, já fora de controle, e da prisão de Lula. Bolsonaro era ainda meme, só uma piada sem graça. À época mascote do grupo, recém-completado um ano desde sua posse como ministro, em março de 2017, Alexandre de Moraes não soltou um pio sequer sobre o quiprocó. A missão era outra. Estancar a sangria antes que a mesma passasse de Aécio Neves, porta de entrada do ninho tucano, para o Plano A. Foco. Vôo baixo, off-radar. Pianinho. Sem chamar a atenção para si. Mero observador à margem dos holofotes. Seis anos depois, reza a lenda, e teria todos “na coleira”: Barroso, Mendes, ministros do STF, STE, tudo, Lula, imprensa tradicional, os centros acadêmicos, até os presos do 8/1 oram pelo carrasco em sua presença na Colmeia. Sangria estancada, hora de partir para a etapa seguinte de um golpe que começou a ser arquitetado ainda em 2013 – com a própria esquerda, diga-se. Como assim? Vaca assada. Esturricou.
“Vaidade de vaidades! Tudo é vaidade”, segundo o pregador – foi a tia do bolo, evangélica, quem me disse à porta de uma estação de metrô qualquer. Não sei se tudo. Pitadas de psicopatia bem vêm a calhar. A boa e velha canalhice. A vaidade é o que acaba por trair o psicopata.
E ninguém mais vaidosa no País das Maravilhas que a Rainha de Copas. Mais dia, menos dia, e a natureza haveria de berrar (em caps lock) mais alto.
Sendo claro e indo direto ao ponto: golpe, para mim, só existiu um desde a redemocratização. O golpe de 2016. E os golpistas, quem diria, estão todos no poder. Todos. Não se salva um. Ainda pior: endeusados por quem se dizia golpeado.
Neste artigo escrito para o Diplô em 2019, tracei a linha fundamental entre golpistas e revanchistas. Não vou me delongar aqui, vá lá, mas em suma: golpista é a turma de 2016, revanchista (hoje) é a turma de 1964. Conquanto golpista seja autoexplicativo (assim espero), revanchista remete à ideia da “honra” “maculada” (aspas individuais mesmo) nesses quarenta anos de “democracia” em que militares foram arrastados na lama por quem se dizia paladino da liberdade.
Explico – antes, um adendo: poucas pessoas do meu círculo abominam tanto os milicos quanto eu. Mais: ninguém – impossível. O que vale para milicos de direita, milicos de esquerda, milicos de centro, miliquinhos de chumbo, milicos alados, grelhados, decapitados, fritos, sopão de milico, in fine, ânsia de vômito só com o cheiro. A autoridade, a disciplina, a subordinação, o histórico de torturas e perseguições, vigilângia e controle, o positivismo, basicamente tudo nas Forças Armadas me é contrário por princípio e entojo. Já fui detido umas cinco vezes por conta disso. Já tive escopeta apontada para minha cabeça. Atropelado por moto da PM, chutado por uns seis ou sete soldados até ser derrubado ao chão, câmera pisoteada, camburão. Três horas em uma cela por estar cumprindo meu papel de jornalista (pelos Livres). Setembro de 2016. Um dia após a consumação do golpe. Ainda assim, hoje: revanchistas. Se rechanvistas que porventura tramaram um golpe mal-sucedido em 2022, outros quinhentos. Manchete boa para se vender jornal, talvez, mesmo sem provas. Não para se entender (a) história (baseada naquilo lá que tanto gostamos: fatos).
Meses antes da prisão, eu havia sido um dos pouquíssimos presentes na Casa Portugal, em São Paulo, durante o último evento público de Dilma Rousseff como presidente. Ninguém me contou, vi com próprios olhos quando, já perto do fim do discurso de Dilma, Haddad foi arrastado pelo braço salão adentro, todo pimbudo, Rui Falcão fazendo as vezes de Rui Falcão, sempiterno guincho do partido (ao qual, sabe-se lá por quê, ainda sou filiado). Abandonada pelos seus, ali se fechava um ciclo para Dilma que fora iniciado quatro anos antes: Praça Rosa. Quando o Fora do Eixo (“braço do PT nas ruas”, segundo Falcão) entrou em campo para virar o jogo das eleições municipais de 2012 contra Serra e garantir a vitória de Haddad nas urnas. Teoricamente, existia amor em SP. O amor, contudo, tinha um preço: o Ministério da Cultura, menina dos olhos de Pable Capilé, homem por trás do coletivo e que, no fim das contas, a priori, teve de se contentar com um de seus aliados em cargo no setor de carimbadas da Rouanet. O contentamento, todavia, não durou muito. Faltava uma oportunidade para pressionar o governo pelo combinado com o partido e a oportunidade veio em junho de 2013.
De novo, sem delongas aqui. Os textos escritos à época denunciando o esquema, “Pros diabos com o amor” (sou vanguarda) e “Usa a buceta a favor do processo (sic)”, ainda estão lá no ciao, cretini. Sobre as Jornadas, Marta Suplicy, então Ministra da Cultura, foi taxativa: “Isso não é protesto pelo aumento da tarifa do transporte! O que esta por traz dessa incitação de violência?” Resumão: por volta da quinta ou sexta semana das manifestações, as quais de fato começaram legítimas em protesto pelos tais 20 centavos em São Paulo e logo ganharam as ruas do país, descobriu-se que o “sem bandeiras, sem partido” era puro engodo. A organização, as palavras de ordem, os jograis, a mobilização, tudo era, na verdade, dividido (de comum acordo) entre desconhecidas lideranças do Fora do Eixo e da Juventude do PSDB.
Meus textos, em especial o segundo, logo rodaram as redes sociais e foram o pontapé inicial para o FDE Leaks, iniciativa do jornalista Alexandre Matias. Anos e anos de trabalho (do qual me orgulho de ter contribuído, a construção de uma rede na teoria independente de coletivos artísticos) caíram por terra após denúncias de trabalho escravo, rufianismo, violência contra mulheres, centralização e autoritarismo. Capilé saiu de cena. Com o FdE fora da jogada, o caminho ficou livre para a Juventude do PSDB dominar, sozinha, os protestos. No Pará, em particular, onde o esquema foi descoberto, restou o Movimento Belém Livre. MBL. Ring a bell? Pois bem. O gigante não tardou em acordar.
Geraldo Alckmin governava o Estado de São Paulo desde 2011. De chuchu, só tinha a cara. Ao menos quinze jornalistas foram agredidos em junho de 2013 pela PM de Alckmin: entre eles, Vagner Magalhães, do Terra, Fernando Mellis, do R7, Gisele Brito, da Rede Brasil Atual, Leandro Morais, do UOL, e Fabio Braga, Marlene Bergamo, Félix Lima, Ana Krepp, Rodrigo Machado e Giuliana Vallone, da Folha de S. Paulo, além de Henrique Beirange e André Américo, do jornal Metro. Dois presos: Piero Locatelli, da Carta Capital, detido por portar vinagre, e Fernando Borges, do Terra. Vallone quase ficou cega após tomar um tiro de borracha no olho. Sérgio Silva, fotógrafo da agência Futura Press, não teve a mesma sorte e acabou perdendo a visão.
Em 2014, a situação em São Paulo só piorou:
De acordo com a Abraji, os jornalistas Sérgio Roxo (O Globo), Reynaldo Turollo (Folha de S.Paulo), Paulo Toledo Piza (G1), Bárbara Ferreira Santos (O Estado de S.Paulo), Fábio Leite (O Estado de S.Paulo), Victor Moriyama (freelancer) e Felipe Larozza (Vice) foram detidos temporariamente, por períodos que variaram de alguns minutos a cerca de três horas. Roxo, Bárbara e Moriyama também sofreram agressões. O fotógrafo Bruno Santos, do Terra, sofreu uma torção no tornozelo e foi atingido por golpes de cassetete enquanto tentava escapar de uma confusão em meio ao protesto.
Todos “vândalos”, segundo a própria imprensa tradicional para a qual trabalhavam.
Em 1º de janeiro de 2015, Alexandre de Moraes assumiu a pasta da Segurança Pública do Estado e o que se imaginava impossível aconteceu: tudo piorou ainda mais, e de vez. A primeira medida de Moraes? Políticas contra o PCC? Blindados israelenses contra os manifestantes. E haja repressão. Haja menores de idade detidos em delegacias. Haja liberdade de imprensa cerceada. Haja jornalistas presos, atropelados e agredidos nas ruas. O ideal de democracia. Muito amor em Essepê até 2016.
A pressão dos parlamentares da direita (então tucanos e pássaros afins) para criminalizar os manifestantes como terroristas (o mundo capota, não é mesmo) só não foi adiante por conta do veto de Dilma Rousseff a dois artigos da Lei Antiterrorismo. Quem, antes de ser afastada da presidência, tomou outras duas atitudes imprescindíveis à época: decretar cem anos de sigilo aos e-mails trocados com Bessias e, enfim, promulgar o Marco Civil da Internet.
“Como assim, Ishak, cem anos de sigilo, imprescindível?” Explico, embora já tenha então explicado em “Camarada Don’Otoni”, escrito em abril de 2016, onde também previ a eleição de Bolsonaro em 2018: Dilma sabia muito bem estar sendo gravada ao ligar para Lula no famoso episódio lembrado pelo “tchau, querida”. Moro já tinha derrubado o sigilo dos grampos e a notícia já tinha sido veiculada no “plantão da Globo” quando a presidente fez o telefonema. Lula, até então o falastrão de sempre, piou fino quando Dilma o informou de que estava “mandando o 'Bessias' junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!” Do outro lado da linha, só se ouviu um “tá bom”. O Brasil inteiro sabia do grampo, menos a presidente da República? Conta outra. O “tchau, querida”, tanto usado pela oposição golpista contra Dilma, na verdade, foi resposta a um “tchau” duro e seco da presidente na berlinda e se vendo obrigada a mais um desgaste público. Preferiu jogar tudo no ventilador. Ou quase tudo: o sigilo veio na tentativa de salvaguardar o que ainda restava de resistência e de esquerda nas ruas.
O Marco Civil, por sua vez, na tentativa de salvaguardar a liberdade de expressão de tal resistência. Garantia fundamental de que poderíamos chamar Temer de golpista nas redes sociais sem temer o japonês da Federal batendo às nossas portas no dia seguinte. Voltaremos ao tópico mais adiante.
O resto é história. E história para boi dormir.
“Não foi golpe, respeita as palavras senão perdes o respeito”
Imagina a pachorra do cidadão, ter coragem de falar isso justo a um poeta. Perdão, meu caro colega jornalista da imprensa tradicional, livres todos ainda somos para nos expressarmos, mas: foi golpe, sim.
Senão (coço a garganta), vejamos.
Aqui, Michel Temer, o “sequestrado”, explica na CNN como “sem forças armadas, não há golpe”. Justo quem. Conveniente. Mais adiante, porém, afirma que, se não fossem as “decisões firmes” de seu eleito para o STF em 2017 (com o lobby necessário do PSDB), Alexandre de Moraes, talvez não houvesse eleições em 2022. Segundo a Mãe Diná emedebista, Moraes estaria tão-somente “cumprindo a derminação legal”. Excessos?, indaga-lhe Waack. “Não conheço os processos”. Até aí, caríssimo Temer, nem o senhor nem ninguém, os próprios réus desconhecem as acusações que lhes são imputadas. Isto, em si, já seria um excesso, o maior deles. O senhor, como bom teórico constitucional, conhece bem os princípios do Estado Democrático de Direito. Os quais, tudo bem, certo, o senhor atropelou. A comecar por conspirar contra a democracia e hoje ter a cara de pau de ir a CNN para afirmar o que seria estultice na boca de qualquer desinformado (ou jornalista, a depender do veículo a que serve). Na boca do senhor, não. Há método nos trejeitos desses dedinhos finos.
Golpe militar, putsch, de fato: podemos até discutir se foi ou não. Dia desses, ouvi já nem lembro onde: “Golpes militares envolvem operações secretas, reservadas, (…) atores e protagonistas relevantes, (…) [no 8/1], não tinha apoio da mídia, da imprensa. Em 64, nós tivemos os grande veículos, os grandes editorialistas, não foi o ‘submundo’ da mídia.” Não vivi 64. Mas, de 2016, conforme já deve ter dado para perceber, lembro bem. Operações secretas: checked. Muito se articulou nos bastidores. Protagonistas relevantes: checked. Era o vice-presidente, afinal, com o apoio do Judiciário e do Legislativo. Apoio da mídia, dos grandes veículos, dos grandes editorialistas: checked, checked, checked. Por fim, militares nas ruas oprimindo os protestos: checked também. A desculpa oficial foram supostas pedaladas fiscais. Crime pelo qual Dilma acabou sendo inocentada, dali a anos, após o arquivamento da ação, pelo TRF1, sem o julgamento do mérito. Todos sabemos, todavia: o real motivo foi a carta branca concedida por Dilma à Polícia Federal.
Vá lá. Digamos que não tenha sido um putsch clássico, tão somente um coup. Um silent coup ou soft coup, conceito do cientista político Gene Sharp, professor emérito da Universidade de Massachusetts e indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Ou seja, consumado sem o uso de força ou violência – o que descartamos de cara, mas tudo bem. Exemplos não faltam mundo afora neste século XXI: Gore vs Bush na Flórida em 2000, Egito em 2011, Paraguai em 2012. Constitutional coup, caso prefiram, o que foi tentado dia desses, em 2020, no Nepal, pelo então primeiro-ministro Khadha Prasad Sharma Oli. Consumado em Burkina Faso, em 2005. E não, não é mal do nosso século. Paquistão em 1953. Finlândia em 1973. Malásia em 1976. Tunísia em 1987. Brasil em 2016.
Caso encerrado.
Não é de se admirar, portanto, nadinha, que justo um jornalista da grande mídia refute a ideia. A imprensa tradicional, levada por interesses mil, sempre apoiou golpistas em Pindorama. E tudo sempre em nome da “democracia”. Hoje, por supuesto, não seria de outra maneira.
O Repórter Esso, pelo menos, assumia na carne quem mandava ali (ter batizado um dos principais prêmios da imprensa brasileira, por sinal, diz muito sobre esta). Mas não perca a esperança, caro leitor. Precisaram de uma CPI para comprovar o que estava escrito na testa. Y bué... se considerarmos que a raiz de “globalização” é “globo”, dá para dizer que tudo sempre foi às claras também. Manda quem paga. Autocensura pode não ser (discordo) censura. Tampouco (concordemos) jornalismo.
Xandão do Tucumã contra os pés de uma boa paraguaia
Alexandre de Moraes, conforme já dito, foi indicado ao STF em 2017, após pouco mais de um ano como Ministro da Segurança de Temer. Moraes era filiado ao PSDB desde 2015 (tendo passado por DEM e PMDB) e morava em um dos metros quadrados mais caros da capital paulista, o edifício Mansão Tucumã, no Jardim Europa (ah, o viralatismo), então no valor estimado de dez a doze milhões de reais. Os apartamentos no Tucumã são de fato uma belezinha. Com “365m² de área privativa real e 293m² de área de uso comum real, incluindo cinco vagas de garagem (…) Um total de 658m² de área total construída”, conforme apurou matéria publicada na Fórum naquele ano. Segundo a revista, até doze anos antes, em 2005, o patrimônio de Moraes era típico de classe média ao deixar o cargo de secretário de Justiça do primeiro mandato de Alckmin como governador de São Paulo:
...dois apartamentos, um no bairro da Saúde e outro na Aclimação (áreas de classe média na capital paulista), e uma casa para passar os finais de semana em um condomínio fechado em São Roque (a 70 km de São Paulo). Sua esposa, Viviane Barci de Moraes, recebera de herança parte de um terreno no bairro de Santo Amaro (zona sul da capital). No período, Moraes também atuou como professor universitário e recebia royalties da venda de obras jurídicas. Quando comprou os dois apartamentos, Alexandre de Moraes exercia o cargo de conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujo salário bruto à época era de R$ 23.200. Sua carreira não é a do self-made man da iniciativa privada. Ao contrário, sua história de sucesso se deu em cargos públicos.
O tal imóvel não era o único do ministro. “Ele tem vários”, prossegue a Fórum, “e quando questionado a respeito (...) afirma que seu patrimônio foi conquistado com recursos dos cargos ocupados, os direitos autorais de livros [N.doE.: chupa, nova literatura brasileira, e plagiados ainda por cima] e o curto período em que exerceu a advocacia.” O próprio Moraes assegurou: “Tudo devidamente registrado no Imposto de Renda”. Melhor que muito ancap por aí, admitamos.
Membro do CNJ de 2005 a 2007, secretário municipal de Transportes na gestão Kassab de 2007 a 2010, atuou como advogado entre 2011 e 2014 – mas é falso que ele tenha defendido o PCC, viu, só “representou a cooperativa de transportes Transcooper em processos civis e administrativos” e, quis o destino que, em 2014, uns relatórios aí das polícias civil e militar de São Paulo apontassem “um possível envolvimento de sócios da empresa com a facção criminosa”. Aos Fatos garante: falso. Emoji de mão ao queixo, olhos semicerrados, sobrancelha esquerda arqueada.
Sempiterno patrono do estado policial, na prática, enquanto secretário de Alckmin foi contra projeto de lei aprovado pela Alesp que proibia o uso de bala de borracha em protestos. “É um instrumento da segurança pública que deve ser bem utilizado”. Quase bombril. Para cegar jornalistas intrometidos, coisa mais eficaz não havia.
Aí, veio o golpe, o Ministério da Segurança e… nada como capinar um matinho na fronteira com o Paraguai, melhor cortina de fumaça. Dali a poucos meses, explodia a guerra entre CV e PCC (pós-queda das Farc, na Colômbia). O Intercept pintou o inferno: “Dezoito detentos mortos, 22 feridos e dez desaparecidos em prisões de Rondônia e Roraima em 24h, presos ‘jogando bola’ com a cabeça de rival em Fortaleza”. Para Moraes, todavia, tudo não passava de “mera bravata”. Perigo real é a liberdade de expressão.
Em fevereiro do corrente, afirmou que “a palavra liberdade é a mais usada por extremistas”. Engraçado. Durante a análise de sua indicação na CCJ, em 2017, Moraes lançou mão do termo ao menos quinze vezes. Lendo este artigo de 2010, publicado na Folha, pensei até que se tratasse de um bolsonarista raiz, tamanho o apreço do moço pelo vil princípio. Tudo, resta claro, na teoria.
Polêmicas e contradições, de fato, nunca faltaram na vida do sujeito. Evidente que, como ministro do STF, não seria diferente. Caiu no golpe só quem quis mesmo. Atravessaram sozinhos a ponte para o futuro, futuro próprio, e em seguida a explodiram. O “depois” jamais veio e os “outros” seguem do lado de lá do rio, ainda no poder, já fora do alcance do povo – e mais fortes que nunca. Parabéns, gigante. Parabéns, Capilé.
Ditadura de toga, sim, senhor!
Que o judiciário brasileiro nunca prestou e sempre favoreceu ricos e poderosos, todo mundo está careca de saber. Assim espero. Precisaria nem dar o exemplo recente do juiz que deu voz de prisão ao delegado que o acusou de corrupção, no Amazonas, quanto menos isso se limita às primeiras instâncias. Abri o texto com as aveludadas palavras do Min. Barroso nesse sentido. A ilusão até que era bem mantida.
A todo golpe bem-sucedido, porém, via de regra, segue-se uma ditadura. No Brasil de 2016, não foi diferente. E tudo muito bem alardeado ao quatro ventos e com todas as letras por Romero Jucá, inclusive. Sem a interferência do Supremo Tribunal Federal, seria impossível estancar a sangria promovida pela Lava Jato (quando a justiça quase – eu disse quase, não fossem os aprendizes de Moraes, Morinho e Dellagnol – funcionou neste país e o 1% se viu do outro lado das grades). Quem diria? Sangria estancada e… tomaram gosto. O passo seguinte seria rasgar de vez a Constituição da qual ao menos fingiam ser (para nunca mais) guardiões.
Que a mídia tradicional esteja pouco se lixando para o estado democrático de direito, sabíamos desde a Lava Jato em si – neste século, evidente, vide a Bucha e os Mesquita (embora, sejamos justos, o Estadão tenha sido o primeiro a se levantar contra a “censura sempre à espreita”, além do caso Fernão. Tarde demais?), o “Resiste a democracia!”, entre tantos outros causos. No causo em questão, importava o Plano A. Moro seria Miss Brasil desde que levasse a cabo o Plano A. Não contavam com o Plano B, qual seja, o antiplano. Nem a imprensa nem os curitibanos, abertamente (entre si) contra Bolsonaro. Tratavam-no como sempre o tratou a esquerda e a própria mídia: um palhaço. Propuseram adotar um dispositivo anti-Bolsonaro no ranking dos fichas-limpas da Transparência Internacional – cujo diretor, Bruno Brandão, participava ativamente das conversas. Moro deixou de ser Miss Brasil ao abandonar o Plano A e correr para os braços do Plano B na primeira oportunidade vislumbrada. Daí a mídia tradicional defender censura cometida inclusive contra seus pares para seguir com o A… é outro nível, que nem na ditadura militar se viu.
A Constituição de 88, por exemplo, há quem desconheça, não permite que juízes abram inquéritos criminais de ofício, o que cabe ao Ministério Público ou à polícia (federal, no caso). Mas lá se vão cinco anos desde a abertura do “inquérito das fake news”, a pedido do Ministro Dias Tofolli (“tá veno?, num foi de ofício, uai”), o “filho do amigo do amigo do meu pai”, um clássico em Sucupira, para censurar (repita comigo: cen-su-rar) matéria da revista Crusoé. As portas do inferno se abriam. Em uma só tacada e com o aval do consórcio, criavam o embrião-monstrinho do monopólio pós-neoliberal da verdade e liberavam caminho para que o Plano A voltasse aos trilhos.
Como o Ministro Gilmar Mendes, em entrevista ao Valor Econômico, deixou bem claro: “A Lava Jato era o Papa. E aí alguma figura do grupo do Janot achou que deveria expandir os alvos. Já atingimos o MDB, PP, PT, por que não pegar também a turma do PSDB? E aí que tem essa trama da JBS, quase uma encomenda. (...) Foi uma fraude.” Percebe? Não? Então, eu desenho: lembra quando eu disse lá no comecinho do texto que os ânimos estavam acirrados por conta da Lava Jato já fora de controle? O controle era o PSDB. O Plano A era o PSDB. Talvez até Aécio. Tendo a Lava Jato chegado a Aécio, contudo, precisavam de um novo A. Precisavam estancar a sangria antes disso. Precisavam garantir que a sangria seguiria estancada. Precisavam de um embrião-monstrinho para tanto. Precisavam monopolizar a narrativa para que nada mais fugisse do controle. E Moraes estava lá para isso. Sim, aquele mesmo Moraes que, em 2017, chegou a ser rotulado pelo PT como alguém despreparado, parcial, que tinha desprezo pelas instituições, e cuja nomeação ao STF havia sido “um profundo desrespeito à consciência jurídica do país”. Errados, não estavam. Mas havia perfil melhor que esse?
Deu certíssimo. Foi o New York Times quem disse, tenho nada a ver com isso:
[Moraes] prendeu pessoas sem julgamento por postar ameaças nas redes sociais; ajudou a condenar um congressista em exercício a quase nove anos de prisão por ameaçar o tribunal; ordenou batidas contra empresários com poucas evidências de irregularidades; suspendeu um governador eleito de seu cargo; e unilateralmente bloqueou dezenas de contas e milhares de postagens nas redes sociais, praticamente sem transparência ou espaço para recurso.
Um desses perfis foi o do jornalista Paulo Figueiredo (sim, jor-na-lis-ta e neto daquele outro lá, o que sinceramente não vem ao caso), que, além das redes sociais suspensas, teve suas contas bancárias bloqueadas e passaporte cancelado sem que houvesse qualquer citação quanto menos sentença condenatória para tanto. Dito o quê, agora sim, tragamos o avô do rapaz à baila: se você, caro leitor, concorda com isso, perdão, você não tem moral alguma para falar do velho Figueiredo. Nenhuma. Nada. Zero.
Imagina pensar como pensa a mídia tradicional brasileira, pensar como pensam os organismos de governança global, como pensam os maiores ditadores da história e, ainda assim, conseguir se olhar no espelho e enxergar um “herói da resistência”. Só pode ser MK Ultra, não há outra explicação.
E assim os “excessos” de Moraes contra a oposição revanchista vão se acumulando e se normalizando aos olhos da esquerda. O tenente-coronel Mauro Cid teve de assinar um termo reafirmando sua delação – após o vazamento da gravação em que alegava ter sido submetido a tortura psicológica (sim) para confessar uma narrativa – literalmente no porão do STF e… tudo certo, nada suspeito. Coagidos mesmo foram os irmãos Batista e a família Odebrecht. Felipe Martins, ex-Assessor de Assuntos Internacionais do governo Bolsonaro, preso única e exclusivamente por ter “saído” do país – e, de certo modo, saiu: foi de Brasília para a República de Curitiba. O Deputado Nikolas Ferreira com processo nas costas por ter chamado Lula de ladrão. Gilvan da Federal, investigado pela PF (a pedido de Dino) por ter chamado Lula de corrupto e ex-presidiário – coitado do Dias Gomes. Busca e apreensão no gabinete – não, não do Chiquinho Brazão, aí Moraes foi contra – do líder da oposição na Câmara, Deputado Carlos Jordy, sem a presença de um advogado e, o horror, sem indícios de crime. Depois não sabem por que os parlamentares estão abrindo mão de seu direito ao foro privilegiado. Um minuto de silêncio pela presunção de inocência. Vida longa à presunção de culpa até que se prove o contrário.
O problema é provar, sem acesso aos autos nem sequer uma tipificação penal contra a qual se defender. Advogado de um investigado se comunicar com o advogado de outro? Nem pensar. Está proibido também. “Afronta”, segundo o criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, decano da advocacia brasileira, que “nem na ditadura [militar]” ocorreu.
Menos mal que o sigilo das conversas entre advogado e cliente ainda seja respeitado. Calma. A Polícia Federal quebrou o tal sigilo no caso do aeroporto de Roma? A tal agressão contra Moraes e seu filho, que ensejou busca e apreensão na casa dos acusados, “animais selvagens” nas palavras de Lula, e a já histórica charge na imprensa reconstituindo os supostos fatos na falta das imagens? Bem… menos mal que advogados ainda possam se comunicar com seus clientes, então. Ufa. Pena que a Polícia Federal, após concluir que teria havido agressão, sim, voltou atrás tão logo a polícia federal italiana alegar não ter visto crime algum e, depois de todo o auê, de toda a desumanização, simplesmente desistiu de indiciar a família. Já pensou? Dar assim de mão beijada aos advogados o acesso ao vídeo, à prova do suposto crime? Onde já se viu isso? Melhor esquecer, mesmo, deixar para lá.
Mesma sorte não teve Gilmar Mendes, coitado. Agredido verbalmente em Lisboa, segundo a Folha, o ministro pediu investigação e a PF acabou identificando o meliante. Um porém: não houve agressão. Houve crítica. E muito, mas muito mais branda que as palavras dirigidas a Mendes por Barroso no longínquo 2018. “Gilmar, você já sabe mas não custa relembrar: só pra dizer que você e o STF são uma vergonha pra todo o Brasil. Infelizmente, um país lindo como o nosso está sendo destruído por pessoas como você”, disse o funcionário público do INSS. Absurdo. Porco fascista.
Sim, lógico, fascista, claro. Longe de mim ser acusado de "desordem informacional". Desconhece o conceito, meu caro? Pois abra um código penal comentado, oras. Não encontrou nada? Deve ser porque foi inventado pelo TSE, perdão. Veja bem: não se trata de fatos falsos, fake news, não. Mas de fatos que poderiam desinformar a população a depender de como sejam apresentados. Exemplo: a Ministra Carmem Lúcia ter alegado “situação exepcionalíssima”, já que “não se pode permitir a volta da censura”, ao censurar um vídeo sem jamais ter visto o conteúdo do mesmo. Censura prévia, afinal, não se confunde com censura pura e simples. Nem com chantagem. Não é mesmo? Ao que tudo indica, porém, e como era de se esperar, a exceção virou regra. Mau exemplo? Assim, vocês me confundem.
Menos mal que não sou o único confuso nessa história. O surto é coletivo, conforme a Ministra Rosa Weber bem narrou dia desses, dirigindo-se a Moraes:
[O senhor] jamais recusou um dos meus convites para visitar unidades prisionais e me tornou testemunha do apreço que os detentos e detentas têm por Sua Excelência, rezamos juntos convidados pelos detentos do 8 de janeiro, e depois percorremos diversas celas tanto da Colmeia quanto da Papuda, e o Ministro Alexandre foi a-plau-dido.
A paz de espírito anda tão em alta pelo STF que bastou um comentário isolado no Twitter para que a esquizofrenia atacasse e Moraes passasse de uma conversa com Winston Churchill para outra com Maria Antonieta e jurasse de pés juntos que havia um complô para enforcá-lo em praça pública. Como faz para curar? Lá na minha terra, o Pará, há um ditado sobre paus e como lidar com doido (ou com gente que se faz de doida), mas vou me abster de citá-lo para não acabar, embora metáfora, sendo acusado de incitação ao linchamento. Recomendo análise. Fortemente. Ou intervenção (calma, jovem, espera eu molhar o bico) psiquiátrica. Acusador, juiz, vítima e revisor das próprias decisões que é, impossível esperar de Moraes outra coisa senão negar ele próprio pedido para que se afaste dos processos do 8 de Janeiro, quanto menos se dar conta da realidade paralela em que vive.
Pois a primeira paulada não tardou em chegar e veio da Justiça dos Estados Unidos que arquivou o pedido de extradição contra o jornalista Allan dos Santos. “Só palavras”, entendeu o juiz norte-americano quanto às acusações. Palavras, palavras, palavras. Infelizmente, não existe crime de opinião nos EUA. Lamentável. Nem no Brasil, ok. Mas, talvez o tal juizeco desconheça, não foram só palavras. Allan dos Santos publicou, aspas de Moraes, “uma foto mostrando o dedo médio em frente ao Supremo, com a seguinte legenda: ‘Acabando a manifestação, não podia deixar de dar minha opinião sobre quem rasga a Constituição’.” O dedo do meio, vulgo cotoco. Um cotoco…! Que democracia é essa, meu Deus, em que vândalos podem sair mandando cotocos assim impunemente a figuras públicas? Pura barbárie.
Ah, se ele estivesse no Brasil… provaria do mesmo veneno que vem provando o jornalista Jackson Rangel, preso há mais de ano sem sequer ter sido denunciado pela PGR (maldita, sempre ela), PGR esta que ainda teve a audácia de pedir o arquivamento do caso. Há me-ses. O crime de Rangel? “Virulentas postagens” contra a Suprema Corte, evidente. Sem motivo é que não haveria de ser. Imagina o sujeito ter a pachorra de afirmar despautérios antidemocráticos quais “sem liberdade, não existe independência” ou “é uma vergonha um Poder tomar a atribuição do outro” ou “não tem como o País ir pra frente com essa política rendida e vassala” e sair impune? Tem mais é que apodrecer atrás das grades por tamanho “ato de verdadeiro terrorismo digital”. Besta de quem ainda se choca.
Certo está o diretor da Polícia Federal, Rodrigo de Melo Teixeira, ao admitir, com toda tranquilidade, coisa mais normal do mundo, que a instituição monitora posicionamentos políticos nas redes sociais – e detém estrangeiros por suas opiniões, a exemplo do jornalista português Sergio Tavares em Guarulhos. Que mal tem nisso?
Mas quem mente, segundo Mônica Bergamo, é Tucker Carlson. “Nenhum meio de comunicação foi fechado no país”, disse Bergamo. O Terça Livre foi, Mônica, goste-se ou não do Allan dos Santos. E o Rumble – por causa do Monark que, goste-se ou não, é um comunicador. A Jovem Pan, que eu nem ouço, não foi por pouco. Foi censurada, todavia. Bem como a Brasil Paralelo. O que também já pode ser fechado, aliás, é o Congresso Nacional. Na prática, não apita em mais nada, mesmo. Talvez por isso o silêncio dos presidentes do Senado e da Câmara. Senadores votaram contra o PL da Censura? Sem problema. Presidido por Alexandre de Moraes, o TSE logo deu um jeito nisso, atropelou a maioria dos parlamentares e decidiu que as plataformas devem ser responsabilizadas por “fake news” e posts que comprometam as eleições caso não suspendam (sem a devida ordem judicial) perfis que supostamente assim o fizerem. Nada como uma Montblanc suprema. Quem irá contestar? Tudo em nome da democracia, contra o fascismo e os desmandos da ditadura bolsonarista em Nárnia.
No texto inaugural do sutor, cantei a pedra (óbvia, tão óbvia quanto todas as outras cantadas, estou longe de ser gênio ou futurólogo) e eis que a pedra rolou: Bolsonaro, “líder da resistência” (faz-me rir de tanto chorar). A fotografia da multidão na Paulista (vou ficar com a estimativa de 750 mil pessoas mesmo, sorry, entre as quais, inclusive, quem não tenha votado em Bolsonaro) sem um mísero cartaz em mãos ilustrou bem o clima de medo e censura no país.
Não à toa, Mônica, o Supremo Tribunal Federal ter sido acusado de criminalizar o discurso político por 141 jornalistas, artistas, escritores, ativistas e acadêmicos que assinaram a Declaração de Westminster pela liberdade de expressão, denunciando a escalada de um “Complexo Industrial da Censura” pelo mundo. Alguns nomes bem conhecidos da esquerda, como Julian Assange, Slavoj Žižek, Tim Robbins, Oliver Stone… tudo bolsonarista, ameaças à soberania nacional, capaz. Né?
Os três Muskteiros (perdão)
Um dos primeiros livros que li, bem antes de começar a tomar pepsamar aos quatorze, influenciado pelo Agosto do Fonseca (ou melhor, pelo comissário Mattos do Agosto do Fonseca), todos encontrados na (e devidamente afanados da) biblioteca do meu pai (assunto para outra croniqueta), foi Walden: ou A vida nos bosques. O que muito encantou o jovem grunge: desobediência civil (ou “sobre o dever da desobediência civil”), conceito hoje mais conhecido pela juventude netista como “terrorismo”.
Pobre Thoreau. Não, jovem, Trudeau não. Henry David Thoreau. Dá um Google.
Ou melhor: um Brave.
E pensar que toda essa azia (re)começou com um simples questionamento no Twitter: “Por que você está exigindo tanta censura no Brasil?” A pergunta, todos já devem estar carecas de saber, foi feita por Elon Musk a Alexandre de Moraes. Bastou para que Musk fosse rotulado de “bolsonarista”. Não só por apoiadores de Moraes, não. Pela imprensa tradicional. Na prática, até por um ministro de estado. Bastou para que Musk fosse incluído no inquérito das fake news. Sem pedido do Ministério Público nem da PF, evidente. Sem conexão alguma com atores de foro privilegiado.
Mal sabiam, era só o começo. E ao D'Artagnan do Espaço, juntaram-se outros três Muskteiros: o jornalista norte-americano Michael Shellenberger (Public, e quem denunciou o envolvimento do FBI na “moderação” do caso do laptop de Hunter Biden, sobre o qual o leitor de primeira viagem nunca deve ter escutado pois: pouquíssimo, quase nada, foi dito pela imprensa tradicional tupiniquim) e os brasileiros David Ágape (A Investigação) e Eli Vieira (Gazeta do Povo). Vieira, por sinal, embora desnecessário, bom que se diga: é gay e ateu – bolsonarista mais raiz, impossível. O mundo enfim tomou conhecimento do que vem acontecendo em Pindorama através do Twitter Files Brasil. Quando Musk ameaçou não cumprir ordens de Moraes, então…
O festival de bizarrices, que já era surreal antes da divulgação do material, tornou-se pós-surreal, pós-neoliberal, pós-pontecalíptico. “Um ataque a Moraes”, pobre Moraes, bradou o “jornalista” Renan Brites Peixoto. “O bandido Elon Musk, trumpista e bolsonarista da extrema-direita mundial, trilionário dono do X provoca e ameaça a Soberania Nacional, o STF e o Min. Alexandre de Moraeis e também o governo brasileiro”, quase tudo em caixa alta no perfil de Ivan Valente. “Tudo para proteger e tentar salvar o genocida miliciano Bolsonaro da cadeia.”
A imprensa tradicional brasileira? Seguiu pelo mesma linha de raciocínio, evidente. “Uma ameaça à democracia”, tuitou Jamil Chade. Poucas foram as exceções, como Samuel Pancher, jornalista do Metrópoles: “Maioria absoluta dos veículos de imprensa internacionais fazendo a cobertura do caso Elon Musk se limita a mostrar as alegações do Twitter, a reação de Moraes e algum histórico do ministro. Apenas no Brasil se reporta uma suposta “aliança da extrema-direita mundial”. Fazer jornalismo, afinal, não interessa “nessas” horas. Bom mesmo são teorias da conspiração. Alex Jones que se cuide, Raquel Landim já está com o chapéu de alumínio na cabeça.
Precisou de um gringo, um jornalista gringo de esquerda (repita comigo: es-quer-da), para lembrar o óbvio. No caso, Shellenberger, em sua conta do Twitter: “Votei em Biden. Não apoio Trump nem Bolsonaro. Sou registtrado oficialmente nos Estados Unidos como independenre e fui Democrata até 2021. No início dos anos 1990, morei no Brasil, convivi com o MST e apoiei o PT. O fato de Lula, o PT e os jornalistas que eles financiam apoiarem a censura é grotesco e todos deveriam ter vergonha de si mesmos”. A exemplo de Shellenberger, e antes que um desavisado me acuse de alt-right, bom lembrar: tenho longa história nas trincheiras da resistência e, isto, ninguém apagará. Ao contrário dele, porém, sabe-se lá por quê, ainda sou filiado ao PT. Meta para 2024: providenciar minha desfiliação o quanto antes. E, sim, sei bem: vou tarde. Boa sorte com a soberania de vocês.
Portanto, reste claro: caguei para o Musk. Tanto não confio no sujeito que, vejam só, nem no Twitter estou (catch me on Nostr if you can – viva Fiatjaf!). Coerência, sabe? E sim: paga-se um preço por isso. Vale a paz de espírito (embora sempiterno irrequieto). Mas, para não dizer que não falei das flores, este sou eu citando um tuíte do Partido da Causa Operária, o PCO (que, aliás, teve suas contas suspensas por mais de ano por emitir opiniões políticas), aka Rui Costa Pimenta: “O imperialismo estava usando o Brasil como experimento para a imposição de um regime de censura. Elon Musk, que não é do setor dominante do imperialismo, não defende essa política. Esse confronto finalmente chegou ao Brasil. O PCO está ao lado da liberdade de expressão irrestrita.” Grifo nosso. E foi além:
Alexandre de Moraes é pior que Elon Musk. A esquerda censuradora não consegue compreender que por detrás de Moraes há muitos bilionários, bilionários muito mais perigosos que Musk. O PCO não defende bilionário, defende a liberdade de expressão. Quem defende a censura é que defende os bilionários.
Discordo, evidente, do “irrestrita”. Ou, tanto melhor, até concordaria se concordarmos que o outro tem direito a me processar caso eu venha a cometer um crime (desde que, evidente, o crime esteja tipificado, e eu tenha direito ao devido processo legal e a um juiz natural e imparcial – pedir demais?). Um baita porém: crime de opinião é proibido no Brasil. Ao menos, até Alexandre de Moraes ser o grande intérprete da Constituição. Seguindo o mesmo raciocínio, portanto, e aproveitando o gancho de Thoreau, fica a dica – que, não, não se trata de termo cunhado pelo já saudoso Ziraldo (a falta que não faz O Pasquim) – dois pontos: ordens judiciais tampouco são absolutas. Tenho o pleno direito de não cumprir uma ordem ilegal, inconstitucional. É meu dever descumpri-la, inclusive. Se vou sofrer as consequências ou não por isso, outros quinhentos. Os pretos de Ocoee, na Flórida, descumpriram o “This is a white area” durante as eleições de 1920 nos Estados Unidos e… foram massacrados.
O advogado constitucionalista André Marsiglia, membro da Comissão de Direitos das Mídias da OAB, diz que ameacar descumprir ordem judicial, como fez Elon Musk, não é ilícito. “Quando se entender que uma ordem é injusta, natural que seja contestada e descumprida. Faz parte da regra do jogo jurídico, desde que se saiba, claro, que haverá consequências decorrentes do descumprimento”. Em especial, em regimes totalitários.
Pois esse, inclusive, é o entendimento do próprio STF: ordem judicial ilegal não se cumpre. É o que diz a ementa do acordão do Habeas Corpus 73454: "Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito." Isso, desde os anos 90. A ditadura militar não deve mesmo ter feito lá muito bem para a cabeça daquele povo.
Aí me vem o Elon Musk, diz que “o X respeita as leis do Brasil e de todo país que opera. Quando somos ordenados a descumprir a lei vigente, nós devemos nos recusar” e quer que o povo entenda? Entenda, por exemplo, que essa fala provavelmente deve ter sido escrita pelos advogados do Twitter no Brasil, e não por Musk, no mínimo orientado por aqueles? Ou que acaba, na mesma fala, justificando o silêncio em relação a países como China, Índia, Turquia e Arábia Saudita? Interesses econômicos? Evidente que há. Não se trata de um filantropo, não há uma fundação com seu nome. Quem gosta de bilionário filantropo é a esquerda, afinal. Logo chegaremos lá. Fato é: no Brasil, em nome da tal soberania que os neopatriotas descobriram dia desses, valem as leis brasileiras, não as chinesas nem as norte-americanas. E as brasileiras preconizam: não se cumpre ordem ilegal. Ponto.
Mas vai falar isso para a Rainha de Copas... o numerólogo do Tucumã prefere brincar com a simbologia dos números 17 e 22 em suas sentenças (vide a multa ao PL e a enxurrada de penas impostas a professoras aposentadas, moradores de rua, vendedores de algodão doce e autistas) e sair decepando cabeças a seu bel-prazer (inveja dos topetes, capaz) a cumprir seu papel constitucional.
A Constituição Federal ali é o de menos, afinal. Importam as narrativas. Importa o aparelhamento do Estado. Desde que Anatel deixe “operadoras de telefonia de prontidão para retirada de X do ar”, após o presidente da agência ter sido procurado por interlocutores de Moraes, segundo Andreza Matais, em sua coluna no UOL, e tudo certo. Faltaria só uma ordem judicial. O grande X da questão é que uma ordem tal só comprovaria que, de fato, estamos em uma ditadura do judiciário – como se precisássemos de ainda mais comprovações. Rol dos melhores, aliás, esse em que o Brasil pode entrar caso Moraes decida cumprir a ameaça. China, Coreia do Norte, Irã, Rússia, Nigéria, Mianmar, Turcomenistão... tudo democracia relativa do bem.
Não que o governo petista se incomode com isso. Pelo contrário: vai lá e dobra a aposta. O ministro Paulo Pimenta ameaçou suspender os contratos com a Starlink, pois o Brasil não poderia permitir uma "ingerência externa" que busque "estar acima" da Constituição do país – e que se danem as comunidades ribeirinhas. Prontamente, o Ministério Público foi lá e pediu ao TCU que assim o fizesse. Ingerência pelas plagas de cá que pretenda rasgar a Constituição, senhor Musk, só se for interna. Falou mal, perdeu a boquinha. Aprendeu? Pois aprenda. Exemplos, não faltam. O próprio Shellenberger elencou uns tantos em resposta a mais um tuíte populista de Lula:
Você me disse em 1994 que não queria uma censura ao estilo cubano. Você mudou de ideia ou mentiu? Após a sua eleição, o senhor criou a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia (PNDD), sob a supervisão do Procurador-Geral da República, para combater a “desinformação”. Você também criou um Departamento para a Promoção da Liberdade de Expressão, responsável por “monitorar a desinformação online”. Estas duas novas agências têm o poder de censurar os seus concorrentes políticos. Seus esforços não pararam por aí. Em 2023, o seu governo lançou uma iniciativa contra a “desinformação”. Isso envolveu “verificação de fatos” e desmascaramento de supostas “notícias falsas”. Este “Ministério da Verdade” brasileiro envolveu a criação de um site chamado “Brasil contra fake”, onde o governo federal poderia rotular a dissidência política como factualmente imprecisa.O objectivo não era simplesmente “verificar os factos”, mas sim criar una justificação para uma censura abrangente. Você também é o principal defensor da “Lei de Notícias Falsas”, legislação que criaria altas penalidades financeiras para empresas de mídia social que não censurassem “notícias falsas”. Embora supostamente independente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil e o seu presidente Alexandre de Moraes censuram frequentemente as críticas a Lula. Durante as eleições de 2022, por exemplo, o TSE proibiu o Grupo Jovem Pan (tradicional conglomerado de mídia brasileiro) de discutir fatos envolvendo a condenação de Lula por lavagem de dinheiro e corrupção. Isto foi aplicado em toda a sua programação – rádio, TV, plataformas digitais. O TSE também censurou o jornal Gazeta do Povo por citar o seu apoio ao presidente da Nicarágua, Daniel Ortega. Ortega é presidente desde 2007 e prendeu os seus opositores políticos na Nicarágua. A Gazeta do Povo foi obrigada a remover 31 postagens nas redes sociais sobre o apoio de Lula a Ortega. Um de seus principais apoiadores, o deputado federal André Janones, anunciou em abril de 2023 que estava trabalhando em um projeto de lei para tornar o bolsonarismo um crime no Brasil. Você está tentando acabar com a democracia, não salvá-la.
Como dizem por lá: na cara, não. E respondo desde já: mentiu. Típico. O tuíte de Lula em questão? Novo terraplanista do pedaço, o presidente agora acha que não há o que se encontrar no espaço. Deve ter sido a Laika quem lhe disse. Ao que parece, sem ter argumento melhor para rebater as denúncias de Shellenberger, Lula prefere seguir a boiada e apontar sua carabina erística para Musk:
Nós temos uma coisa muito séria pela frente. A gente vai permitir que a xenofobia e o extremismo ameacem a democracia? O extremismo de direita permite que um empresário estrangeiro, que nunca produziu um pé de capim no Brasil, ouse falar mal da Corte brasileira, dos seus ministros e do povo brasileiro. A gente pode ser um povo harmonioso, mas não vamos andar de cabeça baixa.
Nem fazia ideia de que Lula já tinha plantado capim em Israel. Presidente é o cara.
Enquanto isso, em meio a tanto neopatriotismo barato, as denúncias apresentadas no Twitter Files Brasil vão sendo jogadas para baixo do tapete ou refutadas com mais erística. A afirmação do tal promotor quanto à atitude do Twitter ser isolada "pois todas as outras grandes empresas de tecnologia como Google, Facebook, Uber, Whatsapp e Instragram disponibilizaram dados cadastrais e números telefônicos sem uma ordem judicial"? Pffff, falácia. A Abin é nossa. Importa mesmo é que não foi Moraes quem processou o advogado do Twitter. Fez coisa pior, bem pior – além de ter ameaçado processar os funcionários da filial brasileira. Pouco importa. Explicar quais decisões foram essas ou se os envolvidos ao menos tiveram conhecimento das mesmas, a violação de direitos mais básicos e fundamentais, privacidade, mimimi, é o de menos. Tudo “litigância de má-fé”.
Pois faço minhas mais estas palavras de Shellenberger:
Tudo isso está acontecendo no mesmo momento em que meus colegas e eu revelamos que as organizações de inteligência do governo estão trabalhando através de ONGs para interferir nas eleições, espalhando desinformação sobre ativistas populistas e candidatos políticos. Em outras palavras, os governos estão exigindo censura para proteger sua capacidade de espalhar a desinformação. Piorando a situação, os governos estão financiando diretamente a mídia corporativa. (…) Uma minoria poderosa de elites educadas em todo o mundo está exigindo a censura, perseguição e encarceramento de seus inimigos políticos. Naturalmente, eles estão fazendo isso em nome de salvar a democracia. Estou chocado e envergonhado de um dia ter chamado muitos desses totalitários de amigos e aliados.
E mais um adendo de Eli Vieira:
"Ah, mas os dados eram de criminosos" – Tanto faz! Eu vou precisar convencer alguém "de esquerda", agora, que direitos humanos incluem direitos de qualquer pessoa ao devido processo legal? O Marco Civil, por acaso, estabeleceu os limites de quais dados podem ser coletados, e quem pode ser responsabilizado por falas nas redes sociais, dizendo “exceto se a pessoa receber o rótulo de 'criminosa'”? No mínimo, as Big Techs citadas não deveriam colaborar sem ordens judiciais que as obriguem a colaborar. A agenda de apoio à fraude intelectual de expandir os limites da expressão para punir “discurso de ódio” e “desinformação”, coisa não prevista pelos filósofos que fundaram esse direito, é muito clara.
Cresci escutando de uns tios reaças (e não são poucos) que “a praia sempre estava lotada de gente se divertindo, todo mundo alegre, só tinha medo dos militares quem fazia coisa errada, quem pensava que o país era terra sem lei”. Quem ouve até pensa que se tratava de uma democracia, mesmo. Como, hoje, muitos (ainda) pensam estarmos gozando de um estado democrático de direito. Só tem medo de Moraes, afinal, quem é bolsonarista, extremista, terrorista, quem faz coisa errada. Pode até ser. De fato: medo, não tenho. Quando se acredita em princípios, morre-se por eles.
"AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA SEM LEI!", bradou o golpista do Tucumã em caps lock numa de suas sentenças. É verdade, ministro. Não são. Além do Código Penal e da Constituição, existe lei que regula essa terra desde 2016. Chama-se Marco Civil da Internet. Lei esta promulgada por aquela que o senhor e seus pares escorraçaram do poder e vêm usando como papel higiênico para limpar as próprias cagadas. Tic tac. Não passarão.
Sorosidade, netismo e... soberania de quem, mesmo, cara-pálida?
As palavras do humorista Eduardo Sterbitch, em entrevista ao Pânico, ilustram bem a ilusão coletiva em que estamos vivendo: “Sempre foi o homem branco hétero rico que determinava as coisas, agora não é mais”. Impossível não lembrar do vídeo em que o “comunista” Jones Manoel tenta nos convencer de que “não tem nada de mais” em receber financiamentos das fundações do Clubinho de Davos, “não te faz um agente dos EUA”. Pode fechar o Fórum Social Mundial. Certo mesmo está o Safatle: a esquerda acabou. Ou, como diz Paula Schmitt, a ex-querda.
Constrangedor. Soros, Schwab, Rockefeller, Gates: tudo preto, gay e socialista. Branco-hétero-rico, mesmo, só Elon Musk. A tal “política alucinatória” do alerta de Ana Cristina César. A incoerência é tamanha que um dos “argumentos” dos netistas contra o sul-africano foi: “a Europa já abriu inquérito e chamou X de maior disseminador de desinformação”. Percebe? O neopatriota está no Twitter, o Behemoth da Era Digital de acordo com seu manualzinho de princípios moraes, defendendo soberania nacional e usando como exemplo… a Europa. Que, em novilíngua, ao que parece, ressignifica “nativo da terra, autóctone, povo escolhido do sol nascente, fura-bolo e pai de todos”. Só não mata piolho. Pois piolho não há. Ali, nem piolho de cobra se cria. Uma cata a outra antes de se engolirem. Regurgitam tuítes quais a pérola de Gleisi Hoffmann criticando a “ditadura de Elon Musk” direto da... China, onde participa de um seminário com o Partido Comunista Chinês – e onde o Twitter é banido.
Nada não, é que, no meu tempo, esquerdista era tudo libertário e antiglobalização, só isso. E, em vez de ficar defendendo (e, para tanto, recebendo de) coorporações neoliberais, a gente fazia o que Eli Vieira e David Ágape fizeram: denunciava os tais poderosos. Ainda não me acostumei a tanta modernidade e a tanto progresso. Perdão.
Imagina ficar perdendo tempo na internet que nem o Ágape para descobrir que “o FBI ajudou o Brasil a censurar seus cidadãos” e que “a Fundação Open Society de Soros vem investindo pesado para promover a censura no país” e ainda se dar o trabalho de escrever sobre isso? Falar sobre o presente para quê? Vamos falar mais sobre o passado glorioso leninista, minha gente.
Onde estão os neopatriotas nessas horas?, me pergunto. Ocupados demais, talvez, acusando o coleguinha de conspiracionista no Twitter porque o coleguinha mencionou os nomes BlackRock e Vanguard, que, juntas, gerenciam cerca de US$20 trilhões em ativos. Apenas. Mas, aí, já é peixe grande demais, né? Tanto mais divertido ficar se trocando com piabinha nas redes.
Aliás, adivinha quem é a cadelinha esparrenta do Soros no Brasil? Ele mesmo, Felipe Noodle, o esbuga do amor. O moleque mimado que, segundo a parte dois do Twitter Files Brasil, valia-se de seus privilégios de homem, branco, rico, influencer, para pedir a cabeça de adversários políticos a seus contatinhos nas redes — no que ele não vê nada de mais, faz o Jones Manoel e ainda tira onda. Esperar o quê? O mesmo que destilava ódio no YouTube em 2016 contra Dilma. O sorriso amarelo na fotografia do pedido de perdão entrega tudo, resta saber quem o teria persuadido a tanto. Certo é: criou uma legião do amor desde o berço, uma ninhada de tucaninhos raivosos do bem. A polarização no país com máxima certeza se deve muito a ele. Agradecemos os serviços prestados à nação (inclusive, a nova “Constituição digital”, o que quer que isso signifique na cabeça do menino [cá está uma bela Constituição digital], caso sua genial sugestão seja aceita [golpistas são sempre os outros, afinal] — maior “filósofo político” do país, quem duvida? Perde só para Reinaldo Azevedo? — embora seja interessante notar que: Noodle adora ameaçar os trolls com processinho. Ao que me pergunto: processo com base em quê? Jura que tem lei para tanto? Ou é só processar e pronto, inventa-se uma tipificação, uma constituição? Dúvida sincera.).
Aí, de repente, Neto se converteu ao lulismo. Como se convencesse alguém. Nem fala do Alckmin que é para não dar bandeira. Só do Lula e de amor. É tanto amor que seu instituto, o Vero, passou a atuar em parceria com a Open Society para combater, adivinha? “Fake news” na Amazônia. Noodle e Super Soros contra o baixo astral das potocas na marola da pororoca. Que não se deixem enganar. É o mesmo Felipe Neto que, dia desses, em resposta à defesa de “intervenção internacional” no Brasil feita pela congressista democrata Pam Keith, implorou pela ajuda de… Biden. Fkn bitch.
O escárnio é tamanho que Lula nomeou a crionça até para um grupo de trabalho contra discurso de ódio. O Felipe Neto. Que não consegue articular uma palavra abaixo dos cinquenta decibéis e sem espumar pela boca, pelos ouvidos, narinas, todo e qualquer orifício que aflore durante um chilique da noz moscada em curto-circuito que leva na cabeça. Tem método. Não dele, evidente. Mas: tem.
Dividir para… o quê, mesmo? Como lembra o advogado Walfrido Warde, “’Eles’ querem que sejamos eternamente provedores de recursos naturais a preço de banana. E nós, bovinamente, aceitamos.” Macron que o diga. Don’t trust, verify. Sobre Musk, plausível é:
Ninguém se torna dono de fábrica de naves espaciais e de redes sociais sem a autorização ou a determinação do complexo militar-industrial e do sistema de inteligência norte-americanos, que se esbaldam com a balbúrdia entre nós, com a confusão que limita e atrasa o nosso desenvolvimento, como os embates entre os grupos políticos brasileiros, que insistem em divergir ao invés de convergir pelo bem do país.
Quem diria? Assim como o controle do narcotráfico nas Américas do Sul e Central é disputado entre políticos domésticos de esquerda e de direita, o controle da colonização também o é a nível global. Um porém: nada disso tem a ver com esquerda e direita, coisa que nem mais existe. Nem se trata de patriotismo, “soberania nacional”, mimimi. Trata-se do povo. De sua autodeterminação. Da soberania individual de cada um e de todos. Leandro Narloch explica:
Uma opinião corrente até na centro-direita é a de que "os ataques do STF/TSE à liberdade de expressão foram necessários diante da ameaça de golpe, mas agora isso já passou". Desse ponto de vista, Alexandre de Moraes protegeu a democracia do Brasil. Na verdade ocorreu o contrário: Alexandre de Moraes, entre tantos desmandos, abusos e picaretagens de integrantes do STF, foi o principal fator a enfraquecer a democracia brasileira. A credibilidade da democracia exige que eleitores diferentes se sintam igualmente tratados, ouvidos e representados. O cidadão precisa confiar no jogo democrático, acreditar que, se seu voto eleger um político, as escolhas desse político entrarão em vigor. Não foi o que ocorreu durante o governo Bolsonaro. Qualquer escolha que contrariasse a elite urbana escolarizada era logo derrubada por decisões monocráticas dos supostos defensores da democracia.
Sintonia fina com Ruy Braga.
É por essas e por outras que a direita cresce nas redes sociais. Não por “dominarem melhor” o mundo virtual. Mas por não virtualizarem a realidade. Os sincerões, sim, para o bem e para o mal. Como relembra Eli Vieira ao relembrar Shellenberger:
Em sua palestra no Fórum da Liberdade na sexta passada, Shellenberger apontou para um fato histórico muito interessante: a campanha de Barack Obama foi LOUVADA pela imprensa progressista pelo uso inovador das redes sociais. Na época, 2008, disseram que as redes foram decisivas. Quando é que se tornou um problemão urgente, uma "sangria desatada" como dizem meus conterrâneos, "regular as redes"? Quando o progressismo foi derrotado pelos "populistas" nos EUA em 2016, no Reino Unido com o Brexit, e no Brasil em 2018. É a velha história: democracia é quando eu ganho, ameaça à democracia é quando você ganha.
Rosa Luxemburgo explica: os chapéus de alumínio são sempre os outros. Mas quem quer dar um golpe no país para poder comprar uma empresa brasileira listada na bolsa de Toronto e controlada por norte-americanos, segundo o Intercept, é Elon Musk. Soros ter dito com todas as letras que “a eleição de Lula foi crucial” não é nada suspeito. Imagina. Tudo pela Amazônia. No melhor dos sentidos, claro.
Enchemos a boca para falar de soberania (após uma vida criticando Trump, Netanyahu, Milei, quem seja, uma vida de jornalismo criticando o poder e os donos do poder), mas, na hora de encher os bolsos com os financiamentos dos Rockefeller, não vejo neopatriotas netistas esbravejando nas redes. Nem quando Macron vem roubar nosso urânio, poluir tudo em volta e adoecer o precariado que terá de minerar esse urânio para a França – igualzinho há quinhentos anos. Nem quando a OMS ameaça implodir qualquer resquício de soberania ou autodeterminação ou coisa que o valha com o novo Tratado de Pandemias. Ou simplesmente quando abrimos as pernas para os stakeholders de Davos. Sempre bom lembrar, aliás: "soberania nacional" é um dos argumentos daqueles que acusam Julian Assange e Edward Snowden de traição à pátria. Para ficar com Agamben (apud Paulo Scott, em Direito Antifascista Brasileiro, no prelo): "Temos medo sempre e apenas de uma coisa: da verdade".
Única razão de entidades como a NetLab existirem – literalmente, o Brasil como um laboratório internacional para experiências contra a liberdade de expressão e em prol do monopólio de informações via censura na internet, financiado pelas fundações Ford, Open Society, OAK et al, e uma das principais fontes da mídia tradicional no quesito “especialistas”.
[ADENDO 15/4: Nesse sentido, como se tudo o que foi dito não bastasse, Snowden dá novo ultimato: “Esse é o fio mais importante que você vai ler este ano”. E não, nada tem a ver com Moraes ou com Musk {embora o silêncio deste a respeito diga muito sobre todo o resto}. Fio, no caso, da Co-diretora do Programa de Liberdade e Segurança Nacional no Brennan Center for Justice, Elizabeth Goitein, quem alerta: “Temos apenas alguns dias para convencer o Senado {norte-americano} a não aprovar uma lei ‘aterrorizante’ que forçará as empresas dos EUA a servirem como espiões da NSA”. Não há o menor exagero nas palavras dela. A intenção é literalmente “tomar a internet de assalto”, desenha Snowden, “e isso não está na capa de nenhum jornal”.]
[E sabemos bem: passando lá, passa aqui. Por entre distrações e cortinas de fumaça para todos os gostos. Portanto: repense seus princípios. Não terá volta para a maioria.]
Enquanto o Sleeping Giants (nome sugestivo, não?) surta no Twitter pela desmonetização da plataforma – devidamente com seu selinho azul no perfil, selinho este pago com os R$ 2,4 milhões que recebeu da Fundação Ford e da Open Society em 2022 e 2023 –, o Ibama está paralisado há três meses (greve dos funcionários federais no país inteiro, diga-se) e as queimadas na Amazônia cresceram 410% em fevereiro, quando comparado ao mesmo período do ano anterior. Fevereiro em que o déficit nas contas públicas também bateu novo recorde, R$ 53 bilhões no negativo. O jeito seria privatizar os presídios, capaz? Bom que o Lula não para no país e quem governa de fato é o Alckmin. Direitos humanos? Que o diga o Irã, poupado pelo Brasil de ser investigado na ONU. Não bastassem os R$ 70 milhões desviados da saúde em Maricá, gestão do PT, agora o ministro Rui Costa foi citado em delação sobre fraude do governo baiano na compra de respiradores durante a pandemia. Não demora e “descobrem” que o mesmo se deu com um dos nomes cotados para vice de Lula em 2026, o governador do Pará, Helder Barbalho. Mas o genocida é Bolsonaro. Se o atual governo não dá conta nem da dengue, mais um recorde histórico, imagina se estivéssemos no auge da guerra contra o coronavírus? Cadê Átila? Cerejinha do bolo, oferecimento de Madeleine Lacsko: volta do DPVAT e mais quinze bilhões para o governo gastar – fora outros três bilhões em emendas parlamentares, mais rombo. O grande problema do Brasil, no entanto, é o maldito extremista do Elon Musk.
Nao é de se espantar nada, portanto, nadinha, que tanto a família Lula quanto a família Bolsonaro estejam prestando solidariedade a Moraes no momento. Todos adorando que o parquinho esteja pegando fogo. Quanto mais cortina de fumaça, melhor. Quanto mais medo entre o povo, melhor.
Sobre neoliberalismo, precariado, fascismo do bem e o Plano A
Medo. Medo de sair de casa, medo de andar na rua, medo de ser abordado por uma viatura, medo de abrir a boca para criticar o governo, criticar a PM, criticar o judiciário. Medo que acaba recaindo (como sempre recaiu ao longo da história) sobre os mesmos corpos. Os mesmos 99%. Nada mais neoliberal.
E é notório que Lula vem fazendo um governo ultra neoliberal. Nada de novo no front, todavia, nada que ele não tenha feito nos dois primeiros mandatos. Sabíamos bem o que nos esperava. Dilma não se elegeu por causa de Lula, mas apesar dele. Deixou seu próprio legado, qual seja, a luta incansável pela liberdade de expressão do povo e por um estado democrático de direito em que esse povo não fosse fichado como terrorista por criticar, cobrar e protestar contra seus supostos representantes – e, inclusive, exigir vê-los atrás das grades caso o façam por merecer.
Agora, o povo já não pode ter voz pois a voz do povo é fascista? Culpar o povo por um problema que ele não causou, pela barbárie, em vez de se combater as causas, as raízes dos males, com as armas outrora propostas? Não me parece o caminho. Mas só não parece. Liberdade de expressão não significa ter coragem de “dizer o que quiser na cara dos outros”. É preciso, sim, todavia, ter coragem para se dizer certas coisas, hoje. Impressionante como, em oito anos, conseguiram nos convercer de que o golpe de 2016 foi e vem sendo em nome da democracia.
Que não se enganem: Bolsonaro, os revanchistas representam, sim, o velho fascismo, o fascismo caricato. Um palhaço. Um palhaço perigoso (vide, entre outras, a ameaça de "pegar uma cana aqui no Brasil") feita a Glenn Greenwald em 2019), mas um palhaço. Covarde. Ladra, não morde. Atenção: não vale nada se dizer libertário mas ser a favor da censura do livro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, ou de Não Alimente a Escritora, de Telma Scherer (nem ser contra mas defender Moraes). Nada. Lula, porém, está longe, mil anos-luz de distância, de ser o salvador. É, pelo contrário, o vassalo que abre as pernas para o colonizador (vassalo desde sempre, X9 a serviço dos milicos, hipócrita a serviço dos Maggi e do Agro ESG). Representa, ele sim, o neofascismo, o “fascismo com vestes inocentes” de Umberto Eco. O fascismo que, vislumbrando a iminente derrota com o crescimento dos movimentos populares antiglobalização nos anos 90, teve de se ressignificar, cooptar velhas bandeiras da esquerda, embrulhar os métodos e pautas fascistas com papel de presente reciclado, encher os bolsos da plebe com o vil metal. Os mesmos organismos de governança global de sempre, hoje mais fortes que nunca. Os mesmos colonizadores europeus de sempre, hoje mais fortes que nunca. Adoraram a ideia de uma nova “governança global forte” para “cuidar” do planeta, defendida pelo presidente. E, o horror mais horripilante, sem a menor resistência de quem antes lutava contra. Conseguiram, ao longo dos últimos oito anos, nos convencer de que o controle que queriam nos impor é algo bom, democrático. Já não precisam impor nada. Imploramos de joelhos. Batemos palmas.
Não há salvador. Ninguém irá nos salvar além de nós mesmos.
Ontem, o presidente do Brasil Lula pediu a criminalização das mentiras. Dado que todo mundo mente, Lula está propondo dar ao governo o poder de prender qualquer pessoa que ele queira. Milhares de ativistas do Partido dos Trabalhadores foram ao X ontem para exigir que eu seja preso por coisas que disse durante meu testemunho perante o Senado brasileiro. E, hoje, o diretor do X no Brasil anunciou que havia se demitido, temendo por sua segurança.
Esse é o Brasil de 2024 pintado por Michael Shellenberger.
Quando insisto em recuperar o conceito de libertarianismo, cooptado por liberais clássicos: não, não é birra de moleque pimbudo. É por entender que o oposto de libertarianismo é autoritarismo. Mesmo autoritarismo que tanto já calou vozes de pretos, gays, feministas, trans, todos, absolutamente todos libertários (e que levaram ao pé da letra o "morrer pela liberdade”), com uma bala na testa em algum paredão – fascista, castrista, bolchevique, nazista, maoista: sempre militar. Autoritário. É, portanto, entender os passos que estamos dando, o caminho pelo qual estamos rumando. Antes que seja tarde demais. Toda cautela (e, a um só tempo, radicalismo) nesse momento se faz(em) necessária(os). Tudo dito e escrito hoje irá receber atenção especial dos historiadores (e dos ETs) no futuro. Não se trata de defender o direito absoluto da liberdade de expressão, nunca se tratou, e a esquerda sabia bem disso até 2016, até a CPI dos Crimes Cibernéticos (cujo objetivo era "criar um sofisticado sistema de controle e censura da rede", segundo Ronaldo Lemos), até a última medida de Dilma como presidente, reitero, a promulgação do Marco Civil da Internet.
Aqui, trata-se de nenhum direito a menos. Para quem seja, mas, principalmente, para que as vozes que tanto já foram caladas não sejam caladas outra vez. Pois, nessa toada, não tenho a menor dúvida: serão. Já estão sendo. Como um colega da pós me contraargumentou sobre o PL da Mordaça: "só tenho medo caso o Bolsonaro volte com essa lei em vigor e o que vai poder fazer com ela". Medo que hoje muitos já sentem. E sentem daqueles que tentam passar a lei. Mais uma. Medo de expressar descontentamento com o governo e ser novamente violentado por ele.
Descontentamento justo com esse neoliberalismo, com a globalização pós-debandada da e$querda. Não confundir com internacionalismo – outra bandeira, aliás, hackeada pela direita. A internet sempre foi o instrumento por execelência desse internacionalismo, e hoje vem se tornando tudo o que nasceu para combater. Reitero, reitero e outra vez: não é um direito absoluto. Contudo, ainda mais perigoso é relativizar a liberdade de expressão. Repiso: estamos vivendo um momento histórico bastante peculiar e decisivo, tudo muito rápido para uns, bem orquestrado para outros, é bom não se precipitar sobre certos temas, quanto menos sobre princípios históricos da resistência. Nem adianta se agarrar à ilusão de que isso nunca irá nos atingir, atingir a mídia tradicional. Já atingiu, ou ninguém mais se lembra que Moraes mandou CNN, Veja e Globonews quebrarem o sigilo da fonte no caso Marcos do Val?
Não tratemos o precariado como coisas. Os bons selvagens que precisam de instrução e catequese para se redimirem e encontrarem o caminho da salvação socialista. Pois a perdição, no fim, foi justo a esperança. A falsa esperança, as ilusões, as promessas não cumpridas, os escândalos de corrupção, as políticas neoliberais, a miséria que nunca acabou, as duas horas de caminhada até uma parada de ônibus (e outras duas de viagem) para poder bater ponto às oito da manhã no mesmo subemprego de sempre. Não se trata de "brutalidade". É tão-somente o fiel retrato pintado por Ruy Braga, é justo a tal rebeldia do precariado. A real divisão, a mesma divisão clássica de sempre, a mesma luta de classes de sempre. A grande diferença é que, agora, na prática, na tão estimada práxis marxista, estamos ao lado da elite que dizemos combater, ao lado do “fascismo do bem”. Mas como, cara Ana Cristina, “como recuperar as pessoas que eu pisei nessa cavalgada das valquírias?”
Como recuperar a preta evangélica “que vende bolo na porta do metrô” e já cansou de ouvir desaforos de um bando de filhinhos de papai loirinhos só porque ela era bolsonarista? Não sei. Uma coisa é certa: não com ainda mais medo, pr'além do medo que ela já sente ao subir o morro no fim do dia. Não subjugando os princípios e valores e crenças que ela resguarda, por um motivo ou outro.
Para que não pairem dúvidas: que se dane o 1%. Mas e os outros 49%? Outros 49%, reitero, que hoje também vociferam contra o tal 1% pois o tal 1% estão justo do lado de cá? Precisamos de uma carta de reconciliação, urgente. Antes de sequer começar o diálogo nesse sentido, porém, precisamos reconhecer as demandas, reconquistar a confiança do povo. Ninguém dialoga com alguém em quem não confia, com quem o trata como lunático terraplanista, terrorista de Bíblia nas mãos já só rugas. Não ousemos ser a nova elite numa tirania dos intelectuais que não admite a realidade, o tal do materialismo dialético, e impõe, perpetua a opressão da esperança que há em toda miséria, pintando com flores o muro rente ao qual dissidentes, estigmatizados se ajoelham perante o pelotão da morte. A Montblanc de Moraes (aqui, mera ironia do destino, contra a bic de Bolsonaro, bic que por tragédia era nossa) está a postos e a pleno vapor.
Não está sozinho. Dias Toffoli declarou nesta semana, após Lira ter descartado o PL da Censura, que o STF deve “discutir” em junho a “constitucionalidade” do artigo 19 do Marco Civil, que reza:
Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
A juventude netista pós-pontecalíptica pira. Talvez porque estivessem todos na Paulista vestidos de verde e amarelo e fazendo coreografias com cotocos em riste em 2016. Nao sei. Sei que o Ministro Alexandre de Moraes estava. Ao lado do atual Vice-Presidente da República, Alckmin. O Plano A. Desde sempre. Lula, o cavalo de Troia.
Não dá para simplesmente encerrar o assunto, caro Barroso. Não dá. Não é espuma.
Que venha, portanto, a terceira parte para fechar a trilogia (e veio). Ventilador ligado.
E que venha a resistência. Sem medo. Sem Temer a Morte. Lembra?
Reitere-se: “Quem não quer ser criticado, quem não quer ser satirizado, fique em casa. Não seja candidato, não se ofereça ao público, não se ofereça para exercer cargos políticos. Essa é uma regra que existe desde que o mundo é mundo.” Adivinha quem?
Pois nova ordem mundial, caro Moraes, aqui, não. Aqui, ditadura: nunca mais.