Baixar Impostos não vai tornar as casas mais baratas
É cada vez mais comum ver pessoas a pedir uma redução de impostos para facilitar o acesso ao mercado imobiliário a mais famílias. Apesar de bem intencionado, não vai resultar.
Recentemente vi um vídeo em que o Presidente da APPII (Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários) reclama que cerca de 50% do custo de uma casa em Portugal são impostos. O Presidente comparou este valor com cerca dos 10% em Espanha e a intenção é óbvia: se reduzirmos os impostos sobre a construção/venda de imóveis em Portugal, os preços das casas vão cair.
Este tipo de raciocínio não é raro em Portugal. Em Lisboa, Carlos Moedas está a tentar passar uma medida que isente os jovens até aos 35 anos de pagar IMT na compra de uma casa até 250 mil euros com o mesmo raciocínio. Se reduzirmos a carga fiscal sobre os imóveis, estes vão tornar-se mais acessíveis para a população.
Por fim a Vice-Presidente do Banco de Portugal anunciou a redução do teste de esforço feito pelos bancos, com a intenção de aumentar o acesso ao crédito a mais famílias. Ainda que estas propostas pareçam, superficialmente, fazer sentido, desafiam princípios económicos estabelecidos há décadas.
A Lei da Renda de Ricardo
No início do século XIX, David Ricardo, tentou explicar o comportamento das rendas de terrenos agrícolas. Os senhorios dos terrenos mais férteis pedem rendas mais altas e conseguem recebê-las porque a competição dos inquilinos para ter acesso a esses terrenos também é mais alta.
A escassez dos terrenos férteis e a competição para ter acesso a esses terrenos empurra o preço da renda para um valor que fazia com que a produtividade adicional fosse toda para o senhorio. Ou seja, o agricultor recebia o mesmo quer trabalhasse o terreno bom ou o terreno mau, como o exemplo abaixo demonstra.
Ainda que Ricardo estivesse a falar sobre agricultura, o paralelismo com a habitação é óbvio. Não é por acaso que o preço por metro quadrado em Lisboa (3800€) é quase dez vezes superior ao preço por metro quadrado em Nisa, Portalegre (420€). O motivo não é fertilidade dos terrenos, mas a fertilidade da atividade económica. É em Lisboa que estão os melhores salários, melhores serviços, mais cultura, lazer, restauração, etc.
Isto cria uma dinâmica igual à identificada por Ricardo. Para ter acesso aos melhores empregos e melhor qualidade de vida, é preciso viver perto desses empregos, o que cria uma competição brutal por casas, que faz subir os preços até perto do ponto em que o salário extra que se ganha em Lisboa não resultar em mais poupança, mas numa transferência para o senhorio através de rendas ou de um valor mais elevado.
Convém recordar que uma renda no sentido económico não é o mesmo que uma renda no sentido corrente (um pagamento recorrente pela utilização de um bem/serviço). Uma renda económica é uma extração de valor acima do valor que é produzido. Como tal, isto aplica-se não só a rendas mensais, como ao preço de compra de uma casa, visto que ambos estão relacionados.
Quem é que paga os impostos?
Em nenhum momento falei de impostos. Ao contrário do que muita gente parece pensar, não há nenhuma lei que diga que impostos resultam numa subida de preços que é paga pelos consumidores. Quem paga os impostos depende da relação entre a elasticidade da procura e da oferta. Quando um agente económico é “elástico” significa que as quantidades consumidas/produzidas são mais sensíveis a uma mudança de preço.
Por exemplo, se o imposto sobre os combustíveis subir, quem vai absorver esse custo serão os consumidores porque as petrolíferas podem reduzir a oferta de gasolina mais facilmente do que os consumidores podem deixar de andar de carro. Quem arca com o custo do imposto é o agente menos elástico, ou mais rígido.
A habitação é um mercado conhecido por ter uma procura e oferta muito rígidos. Ainda assim, a Oferta de habitação é mais rígida no médio, longo-prazo. Como bem sabemos, as pessoas podem emigrar, mas as casas não. Não é como se os senhorios dinamitassem as casas porque sobem os impostos.
Como tal, é muito provável que os proprietários paguem uma maior percentagem dos impostos sobre a habitação do que os inquilinos. Não é por acaso que muitos senhorios evitam legalizar contratos de arrendamento. Claro que existe a questão legislativa, mas também existe a questão económica.
Conclusão
Juntando as duas ideias, o conjunto das medidas que estão a ser propostas da Câmara Municipal de Lisboa aliadas à redução do teste de esforço de 3% para 1,5% tem o potencial para ser uma combinação bombástica. Por um lado, a redução do imposto vai transferir dinheiro do Estado (que perde receita) para o proprietário, visto que foi o proprietário quem arcou com a maior parte do imposto.
Por outro lado, dar mais acesso a crédito vai aumentar o poder de compra das famílias, que vão passar a poder pagar mais por uma casa. Ou seja, segundo a Lei da Renda de Ricardo (que no fundo é uma lei sobre o poder negocial que os produtores têm quando a Oferta é rígida), isto vai resultar numa subida dos preços das casas.
No fim, os preços vão subir, o Estado (CML) vai perder receita, e as famílias vão ficar mais endividadas. Quem ganha, são os proprietários. Não é por acaso que foi o Presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários que lançou o tópico em vez da DECO.
Recomendações
The Economic Consequences of U.S. Mobilization for the Second World War, Alexander Field - Este livro desafia a convenção moderna de que a 2ª Guerra Mundial desencadeou um período de elevados ganhos de produtividade, mas principalmente, acaba por ser um curso de macroeconomia num único livro.
Este parece daqueles posts "mind-blowing", que nos faz pensar de uma perspectiva diferente. E possivelmente, sobre este tema das casas, que a forma mais "fácil" de diminuir os preços é aumentar a oferta. Só que isso deveria ter sido feito há 10 anos, e se começarmos hoje, vamos demorar mais 10 anos. Mas também é como diz o ditado: "a melhor altura para plantar uma árvore foi ontem. a segunda melhor altura é hoje", portanto acho que deveria haver um grande esforço na parte da oferta