Não pagamos assim tantos Impostos
Ao contrário do que a maior parte das pessoas acreditam, política fiscal não é política económica. O que importa para o crescimento económico não é o nível de impostos, mas o que é ou não taxado.
Há duas semanas surgiu a notícia de que a carga fiscal em Portugal atingiu um máximo de 30 anos de 36,4% do PIB em 2022 e vai a caminho de atingir os 37,3% do PIB em 2023, um máximo histórico. Na sequência destes dados multiplicaram-se as notícias e publicações de indignação nas redes sociais.
Implícito neste descontentamento está a ideia de que a economia não consegue crescer quando o Estado cobra mais de um terço da produção nacional em impostos todos os anos. No entanto, esta frustração, que é compreensível, esconde factos que são importantes na análise.
Em primeiro lugar, para quem gosta tanto de se comparar com os parceiros europeus, parece que os deixámos de parte nesta análise. Como é que a nossa carga fiscal se compara com a de outros países? Em segundo lugar, as médias escondem muita heterogeneidade. Só porque o Estado cobra 37,3% do PIB em impostos, não quer dizer que toda a gente pague 37,3% do seu rendimento em impostos.
Há quem pague mais, há quem pague menos. Há atividades que são mais taxadas do que outras, e é aqui que está o cerne da questão. Em terceiro lugar, está também a crença de que a política fiscal é um fator essencial para o crescimento económico, mas será que esse é o caso?
Carga Fiscal Portuguesa vs Europeia
Como é que a nossa carga fiscal se compara com a dos nossos parceiros europeus e dos países mais relevantes fora da Europa (EUA e UK)? Como podemos ver pelo gráfico abaixo, bastante bem. Além dos EUA que mantiveram a carga fiscal relativamente constante desde 1980, Portugal tem das cargas fiscais mais baixas dos países selecionados.
Como podemos ver, países bastante mais ricos como a França, Alemanha, Dinamarca, Suécia e Finlândia têm cargas fiscais bastante superiores à nossa. Um argumento que se usa muito é que somos um país mais pobre do que todos esses países que cobram mais impostos que nós e por isso, a nossa carga fiscal também devia ser mais baixa. No entanto, é exatamente isso que acontece.
Se compararmos a nossa carga fiscal com o nosso nível de riqueza (PIB/capita), vemos que Portugal paga os impostos que seria de esperar para um país no nosso nível de desenvolvimento. Como podemos ver no gráfico abaixo, há uma tendência clara de que à medida que os países vão ficando mais ricos, aumentam a carga fiscal, e nós, como país intermédio, estamos ali no meio.
É verdade que alguns países mais ricos que nós como Espanha e Reino Unido têm uma carga fiscal ligeiramente menor, mas Portugal parece estar onde seria de esperar, mais ou menos a meio da tabela. Isto está alinhado com os dados do Eurostat que mostram que a carga fiscal portuguesa está muito perto do meio da tabela dos países europeus.
Nem todos os impostos são feitos iguais
Ainda que a carga fiscal seja útil para perceber o nível de impostos, este é uma média que compara todos os impostos cobrados pelo Estado dividindo pelo PIB. Como todas as médias, a carga fiscal esconde uma enorme dispersão à volta da mesma. Nem todos contribuem com impostos da mesma forma e é aqui que está o problema.
Como já escrevi noutro artigo, o problema dos impostos não é o seu nível geral, mas a forma como estão distribuídos. Quase toda a gente concorda com uma premissa base dos impostos: quem recebe mais, deve pagar mais. A maior parte da discussão está à volta de quão mais devia ser pago.
No entanto, o único imposto que tem uma taxa progressiva é o IRS do trabalho. Ou seja, só quem tem rendimentos de trabalho (salário) é que vai pagar mais impostos à medida que fica mais rico. Ora, os rendimentos das pessoas mais ricas não vêm do trabalho, mas de rendimentos do capital. Quem é rico recebe rendas, juros, dividendos, mais-valias patrimoniais, etc.
Todos estes rendimentos são taxados a 28%. Ou seja, os mais rendimentos dos mais ricos estão isentos de progressividade, o que é uma profunda injustiça. Num podcast recente, o Carlos Guimarães Pinto faz um argumento muito forte a favor da redução do IRS do trabalho dizendo que para quem nasce pobre, o trabalho é a única coisa que pode oferecer. Taxar isso mais do que o capital é roubar o escadote da mobilidade social.
Eu não acho isto imoral. Os agentes económicos respondem aos incentivos que o Estado cria. O capital é menos taxado do que o trabalho porque é mais móvel. É mais fácil comprar ações americanas do que ir trabalhar para os EUA. No entanto, como também já disse várias vezes, nem todo o capital é móvel.
Os terrenos e os prédios estão algemados ao sítios que ocupam. Tendo em conta a composição da nossa economia os rendimentos prediais devem ser das principais formas de rendimento dos mais ricos e também pagam um imposto fixo de 28%. Isto não faz nenhum sentido económico tendo em conta que a atividade predial não tem potencial produtivo.
Uma fábrica pode duplicar a produção, uma casa não pode albergar o dobro das pessoas. As razões para isto são políticas mais do que económicas. Como os últimos censos da Pordata mostram, 70% das habitações em Portugal são ocupadas pelo seu proprietário. Como tal, transformar o IMI num imposto significativo podia pôr em causa a manutenção de qualquer Governo no poder.
Os impostos e o crescimento económico
O último raciocínio implícito nas críticas à carga fiscal portuguesa é de que os impostos são um peso sobre a economia. Sem entrar em muitos detalhes, pode parecer uma conclusão óbvia quando vemos a maneira como o PIB é calculado de um ponto de vista macro, mas também o impacto microeconómico. Mais uma vez, uma abordagem simplista esconde muita nuance.
Se a política fiscal do Governo for bem feita, mudar o peso da carga fiscal de atividades mais produtivas para atividades menos produtivas pode produzir crescimento económico dentro de certos limites. O caso mais óbvio é o da progressividade. Como os rendimentos dos mais ricos ficam parados em bancos ou em imobiliário, transferir esse rendimento para os mais pobres através de impostos, pode resultar num maior crescimento económico.
Olhando novamente para a tabela de países com as maiores cargas fiscais, percebemos que de todos eles, só a Grécia e Itália tiveram uma performance económica inferior à portuguesa desde o ano 2000. Como podemos ver, países com cargas fiscais bastante altas continuam a ter um bom rendimento económico, ao mesmo tempo que outros países com impostos mais baixos têm piores resultados, e vice versa.
O ponto é que ao contrário do que a maior parte das pessoas acredita, política fiscal não é política económica. O que importa para o crescimento económico (dentro de certos limites) não é o nível de impostos, mas o que é que está a ser taxado ou não. Mais uma vez, gosto de recorrer aos exemplos de desenvolvimento económico.
Nos EUA e Reino Unido, as tarifas às manufaturas beneficiaram o setor industrial desses países, em detrimento do setor agrícola e dos consumidores. No entanto, foi este aumento de impostos que canalizou a atividade económica para a indústria. Na Ásia, os constantes subsídios diretos e indiretos aos conglomerados prejudicaram os aforradores, consumidores e trabalhadores em prol do crescimento da produtividade.
O importante não é o nível de impostos, mas a coerência dos mesmos com a estratégia de desenvolvimento. Quando temos em conta que a nossa estratégia de desenvolvimento (um pouco por acidente) é o turismo, a nossa estrutura fiscal faz sentido. O imobiliário é pouco taxado relativamente ao trabalho. Os mais qualificados podem procurar outras oportunidades, mas a mão de obra necessária para o setor do turismo é a que tem menos hipóteses de emigrar porque é a menos qualificada.
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A História da Filosofia, Will Durant - Muitas das discussões que temos hoje têm séculos ou talvez até milénios de existência. Este livro dá uma cronologia detalhada dos principais pensadores e as suas ideias ao longo desses séculos. A única crítica talvez seja o foco nos pensadores Ocidentais.
Europe - Too Soft, Not Enough Power, CEPA - A Europa quer fazer parte do jogo geopolítico, mas tem uma abordagem demasiado mansa. Não somos independentes militar e energeticamente. A nossa capacidade económica é cada vez pior tal como a nossa capacidade para inovar.