O Capitalismo Mata o Planeta?
Os protestos recentes trouxeram o debate sobre as alterações climáticas para a ribalta. O culpado é, naturalmente, o capitalismo. Mas há alternativa? Ou o capitalismo é o menor dos males?
Nas últimas semanas a emergência climática voltou a estar no centro do debate público, depois de ativistas do Climáximo terem levado a cabo várias iniciativas de protesto, como atirar tinta ao Ministro do Ambiente a meio de uma entrevista, bloquear estradas ou estragar pinturas. As queixas são as mesmas de sempre: não se está a fazer o suficiente pelo clima e a nossa existência está em causa.
Aquando dos protestos climáticos quando encerraram escolas o argumentário era muito semelhante. Para quê ir às aulas quando não haverá futuro? O grande culpado é, obviamente, o capitalismo. O raciocínio é que sem o nosso modo de produção atual, seríamos mais felizes e em harmonia com a natureza.
A Mãe Natureza
Uma parte muito importante do ideário climático é a ideia da “Nave Espacial” cunhada por David Deutsch. A ideia diz, que o planeta é uma espécie de nave espacial, que nos dá tudo o que precisamos para viver em harmonia, enquanto nos protege de um Universo implacável. Ou seja, a ideia de uma Mãe Natureza.
Para estas pessoas, uma razão para combater as alterações climáticas é precisamente proteger a Mãe Natureza que nos nutriu a nós e às outras espécies durante milhares de milhões de anos. Para outras pessoas, as alterações climáticas são uma espécie de castigo divino que a Mãe impõe a um filho mal comportado, a espécie humana.
A única verdade deste argumento é que o Universo é implacável. No entanto, o nosso planeta também. Desde que existe vida na Terra que existiram vários eventos que levaram à extinção de 99% de todas as espécies. Os dinossauros talvez sejam o mais conhecido, mas nós também já passámos por isso. Vários estudos indicam que há 70 mil anos, um supervulcão reduziu a população humana para cerca de mil casais reprodutivos. Que mal é que essas espécies fizeram para justificar tal castigo?
Nenhum. A natureza não tem consciência nem instintos protetores. A natureza não quer saber, da mesma maneira que o Universo não quer saber. O facto de haver vida neste planeta é um milagre, mais por causa da perseverança da vida do que da proteção que o ambiente lhes deu.
O Capitalismo e o Ambiente
Dito isto, é evidente para qualquer pessoa com meio neurónio que nós somos a principal variável no que toca às alterações climáticas. Seria preciso uma coincidência brutal para que o período de aquecimento a que estamos a assistir tenha começado logo depois da Revolução Industrial.
Para os ativistas climáticos, este facto condena o capitalismo. No entanto, puxando a brasa à minha sardinha, acho que isto se deve principalmente a uma confusão de termos. É inegável que o nosso modo de produção, que cresceu exponencialmente depois da Revolução Industrial, é a causa para a deterioração do clima.
No entanto, isto não é suficiente para condenar o capitalismo. O Capitalismo é um método de organização dos fatores de produção. Uma das grandes diferenças entre o capitalismo e outros modos de produção não é a ganância, mas a maneira como alinha incentivos de maneira a que os agentes económicos produzam mais. A poluição acaba por ser um dano colateral.
Podemos recuar dezenas de milhares de anos para ver o impacto que nós tivemos em vários habitats. Antes da Revolução Industrial, é possível ver o rastro de extinções que a nossa expansão deixou para trás. Será que o capitalismo era o culpado nessa altura? Não. A multiplicação é uma característica transversal a toda a vida.
Um dos problemas da luta climática é esta confluência. Será que um sistema não-capitalista não teria impacto no ambiente? Felizmente podemos ir à história e ver isso. Por exemplo, a URSS poluía 1,5 vezes mais do que os EUA por dólar produzido. Sem o incentivo de lucro, e provavelmente devido à abundância de recursos naturais, qual era o incentivo da URSS para ser eficiente na sua produção?
Mas o desinteresse da União Soviética com o clima não se fica pelas emissões de CO2 propriamente ditas. A maneira como geriu Chernobyl é um exemplo disso, o esvaziamento do Mar de Aral, para aumentar a produção agrícola, é outro caso. Como José Estaline disse, “A quantidade é uma qualidade por si só”.
O Capitalismo Contra-ataca
Apesar do capitalismo ser o pecador original no que toca à poluição, convém olhar para o estado da poluição nos países capitalistas. Como podemos ver na imagem abaixo, desde 1990, as emissões têm caído consistentemente, apesar da economia ter continuado a crescer. Como mostrámos nos últimos 30 anos, não precisamos de poluir para crescer.
Há quem acredite que isto se deve à exportação da cadeia de produção para a China, exportando também a poluição dessa atividade. No entanto, a linha laranja do gráfico demonstra que a poluição implícita do que consumimos é marginalmente maior do que a poluição da produção.
A razão é a transição energética de fontes de energias intensivas em CO2 para energias mais limpas. Enquanto que em 1965 a média dos países ocidentais produzia menos de 10% da sua energia de fontes limpas, esse valor subiu para 30% na UE (com o destaque francês) e 20% nos EUA.
Isto é importante, porque a produção de energia representa 73% das emissões de CO2 mundiais. Não se pode dizer que nos estejamos a sair assim tão mal, mas podemos fazer melhor. A ostracização da Rússia depois da invasão à Ucrânia abriu os olhos do Ocidente, tendo levado os EUA e a UE a aumentar significativamente o investimento em energias renováveis.
Na sequência disso, o investimento em renováveis tem explodido, provocando mudanças significativas às estimativas de várias organizações. Por exemplo, a Agência Internacional de Energia (IEA) estima que entre 2022-27 se vai construir tanta capacidade renovável como entre 2001-2021, o mesmo num quarto do tempo. Como resultado, em 2027, as renováveis vão perfazer 38% da energia produzida mundialmente, acima dos 28% de 2021.
Isto só tem sido possível graças à brutal queda das renováveis. Numa década, o custo da energia fotovoltaica caiu 90% enquanto que a queda foi de 70% para a energia eólica. Isto só foi possível por causa da promessa do lucro. Ao taxar as emissões de CO2 ao mesmo tempo que se subsidiou as renováveis, acelerou-se a curva de aprendizagem industrial de renováveis enquanto se castigava os mais poluidores. O resultado são energias mais limpas e baratas do que as fontes de energia convencionais, um caso de sucesso de política industrial.
A Solução Final
No entanto, nem tudo é um mar de rosas. Como este artigo explica muito bem, as renováveis podem ter um impacto negativo noutros projetos que vão ser essenciais para a transição energética, como a energia nuclear. No entanto, o que importa perceber no meio disto tudo é que o problema climático é principalmente um problema técnico e todos os problemas técnicos, dentro das leis da física, têm solução.
No entanto, como em muitos outros tópicos, a questão ideológica distorce a perceção que temos da realidade. Uma das minhas implicâncias com a esquerda é a ilusão de que a única solução aceitável é uma solução perfeita, uma solução final. Isto é claro quando partidos que fazem do clima uma bandeira, tentam bloquear projetos que vão ajudar a reduzir as emissões para salvar 1800 árvores (apesar da Europa ter mais área florestal hoje do que há um século), ou pinturas rupestres.
Tenho duas opiniões em relação a isto, uma inocente e uma cínica. Para os ativistas sinceros, é preciso perceber que não existem soluções finais além da morte. A solução de um problema semeia os problemas do futuro. No final do século XIX a quantidade de estrume nas ruas por causa dos cavalos era um problema sério, que o carro resolveu. No entanto o carro criou outros problemas, como poluição, mortalidade, que estamos a resolver.
A minha opinião cínica é que muitos destes grupos não querem salvar o clima tanto quanto querem derrubar do capitalismo. É por isto que pessoalmente, é difícil participar mais ativamente em causas com as quais até concordo. Fico sempre com a impressão que a causa é uma desculpa para avançar algo bem pior do que o que temos agora, mas isso fica para outro artigo.
Recomendações
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