One Tax to Rule them All
O sistema fiscal é injusto e ineficiente. Mas e se houvesse uma forma de eliminar todos os impostos, aumentar a justiça fiscal melhorando os incentivos económicos, sem perder receita fiscal?
Como escrevi na semana passada, a maior parte das pessoas está descontente com a carga fiscal em Portugal. À esquerda pede-se mais, à direita pede-se menos. Como mostrei, esta é uma falsa dicotomia. Os portugueses pagam uma carga de impostos normal comparada com a média da OCDE, no entanto está mal distribuída.
Resumindo, os únicos impostos progressivos são sobre os rendimentos do trabalho. Isto significa que a componente de justiça fiscal está automaticamente posta de parte porque os rendimentos da população mais rica não vêm de um salário mas de rendimentos de capital.
Mas e se eu dissesse que há uma forma de tornar o sistema fiscal mais justo, simples, sem afetar os incentivos das famílias e empresas? Uma solução que conseguiria angariar receita fiscal suficiente para substituir a maior parte dos impostos? Uma solução sem o risco de fuga de capital e que tanto economistas de direita como de esquerda concordam? Bem-vindos ao Imposto sobre o Valor dos Terr
enos (IVT).
Capitalistas, Trabalhadores e Senhorios
Em 2013, o economista Thomas Piketty escreveu um livro, Capital no Século XXI, que criou ondas de choque em círculos económicos e políticos. Os dados analisados no livro mostravam que uma parcela cada vez maior do rendimento está a ir para os detentores do Capital em detrimento do Trabalho.
Isto simplesmente significa que os donos dos meios de produção (fábricas, empresas, máquinas, casas) estão a ganhar uma proporção cada vez maior dos rendimentos e que se a tendência continuar, os salários estão condenados à estagnação. Naturalmente, estas conclusões lançaram gasolina para a fogueira da desigualdade, mas os dados escondem uma verdade mais simples.
O economista Matthew Rognlie analisou os dados de Piketty e chegou a uma conclusão ligeiramente diferente. Se dividirmos o capital entre imobiliário e não-imobiliário, percebemos que o imobiliário é o responsável por esta parcela cada vez maior do capital. As restantes formas de capital, viram a sua percentagem do rendimento cair de 22.5% para cerca de 18%.
De facto, esta é a maneira correta de ver as coisas. Existem três fatores de produção: Terra, Trabalho e Capital. Isto quer dizer que todos os produtos precisam de uma combinação destes três fatores para serem produzidos. Cada país deve usar os fatores de produção mais abundantes e baratos. A produção da Suíça tem um maior input de capital, enquanto que a Índia tem um maior input do trabalho.
No entanto, a Terra é sempre tratada como algo irrelevante pelos economistas e agregada com o Capital, como fez Piketty. No entanto, como eu expliquei no artigo da habitação, a Terra tem propriedades específicas que a diferem de capital. A principal é a quantidade que é fixa.
Henry George
Esta tendência não é nova. Na segunda metade do século XIV, o economista Henry George previu que a escassez de terrenos nas cidades mais desenvolvidas ia proporcionar uma transferência de rendimentos de capitalistas e trabalhadores para os senhorios.
No livro “Progress and Poverty”, George previu que estas dinâmicas fariam com que nas cidades com o maior crescimento económico encontrássemos também as maiores condições de miséria. A situação de habitação por todas as grandes cidades é uma ode à teoria de George. Como expliquei no artigo sobre o mercado imobiliário:
O valor do imobiliário depende do terreno. O valor desse terreno depende da rede de pessoas, empresas e infraestruturas da localização. Este feedback loop explica porque é que as cidades são “imortais”. As pessoas atraem empresas, que criam mais emprego, atraindo ainda mais pessoas, mais impostos para criar melhores infraestruturas (metro, comboio), mais atividades de lazer, etc.
A solução é simples: taxar o valor do terreno. Isto é diferente do IMI. Para George, uma casa é o fruto de trabalho e capital e por isso é uma melhoria sobre um terreno e o proprietário tem direito a receber os rendimentos que daí advêm.Contudo, o senhorio não tem direito à parcela da renda que se deve à sua localização. Essa parcela deve ser taxada a 100%.
Bem feito, este imposto ia alinhar inúmeros incentivos. A subida de rendas só seria possível com a melhoria dos terrenos. Como o imposto seria exatamente o mesmo para terrenos com ou sem construção, os proprietários do terreno teriam um incentivo para rentabilizá-lo (construir, arrendar, construir em altura) ou livrar-se dele (baixando os preços das casas).
Consequências económicas do IVT
A beleza deste imposto vai muito para lá do mero mercado imobiliário. Tanto Milton Friedman (o campeão do mercado-livre) como Paul Krugman (economista de esquerda), concordam que um imposto deste género seria altamente eficiente. Porquê? Porque os terrenos são ativos não produtivos.
Uma casa não produz bens e serviços da mesma forma que uma fábrica, ou um trabalhador. Como tal, taxar os terrenos sobre os quais as casas são construídas teria um impacto mínimo sobre a produção económica. Adicionalmente, ao contrário dos outros fatores de produção, os terrenos não podem fugir.
A aplicação do imposto é ligeiramente mais complicada, mas a ideia é perceber qual o valor de uma renda que se deve ao terreno. Uma forma “fácil” é comparar a renda de duas casas com características semelhantes. Uma numa zona densamente povoada e outra numa zona baixa densidade populacional. Se duas casas semelhantes têm rendas muito diferentes, a razão tem que ser a localização.
O incentivo económico para rentabilizar os terrenos seria brutal. Ter casas inabitadas, ou devolutas seria bastante custoso. Os senhorios teriam um incentivo para construir em altura e arrendar as casas para terem a liquidez para pagar o imposto. A taxa de 100% faz com que os senhorios não consigam passar o imposto para os inquilinos. Aumentos que não fossem justificados por melhorias da casa, seriam totalmente taxados.
Um único imposto
Como vimos até agora, o IVT tem o potencial para resolver o problema do mercado imobiliário com um impacto mínimo sobre a produção. Mas há outras coisas que o IVT permite, entre elas, substituir uma parte significativa da receita fiscal do Estado.
Apesar de não ter encontrado dados concretos sobre Portugal, em todos os países ocidentais, os terrenos são o maior ativo e as rendas a maior despesa das famílias. Um estudo da McKinsey mostra que mais de dois terços dos ativos reais das maiores economias estão ligados ao imobiliário, com os terrenos a perfazer a maior parte disto.
É difícil acreditar que em Portugal, onde o capital fixo (fábricas, máquinas, etc) é relativamente baixo e o turismo tem um papel tão importante que o peso do imobiliário não seja ainda maior. Em média, os ativos reais representam 600% do PIB, ou seja, o imobiliário vale em média 400% do PIB. Para 2023, o Governo estima cobrar EUR 54 MM em impostos diretos e indiretos, cerca de 25% do PIB português.
Ou seja, um imposto que conseguisse capturar anualmente 6,25% do valor do imobiliário, conseguia angariar receita suficiente para SUBSTITUIR TODOS OS IMPOSTOS. Olhando só para os terrenos, o imposto teria que capturar anualmente 12,5% do valor dos terrenos para o mesmo efeito. Se o Estado substituísse apenas metade dos impostos, o IVT necessário cairia para metade.
Para termos uma ideia do pouco aproveitamento fiscal do imobiliário, o IMI e o IMT representam apenas 5% dos impostos cobrados pelo Estado. Mesmo apesar da brutal subida dos preços do imobiliário e da quantidade de imóveis comprados e vendidos, esta receita subiu apenas 50% desde 2009, um pouco mais do que a receita do Estado (40%), mas bastante menos do que a subida dos preços e do volume de casas compradas e vendidas.
Problemas com o IVT
No entanto não é tudo um mar de rosas. A medida acarreta vários problemas sendo que o principal problema é político. Como os Censos de 2021 mostraram, 70% das casas são ocupadas pelos proprietários e só cerca de 22% da população é inquilina. Para mim estes dados foram surpreendentes visto que conheço bastante mais inquilinos do que proprietários.
No entanto, isto cria uma dificuldade política óbvia. É difícil passar uma lei que beneficia 22% da população em detrimento dos restantes 78%. No entanto, acho que se a medida for apresentada como uma alternativa à infinidade de impostos e taxas existentes, talvez possa ser contornada. Ainda assim, há uma parte da população que vive do imobiliário e que tem bastante influência.
Em segundo lugar, temos o problema da liquidez. Os terrenos e o imobiliário por extensão não são ativos líquidos. Uma pessoa que viva na sua própria casa não obtém rendimento da mesma e por isso pode não ter liquidez para pagar o imposto. Mais uma vez, se este imposto substituísse os restantes, é difícil ver como isto poderia acontecer.
Outro fator importante é que, numa fase inicial, a medida ia pressionar os preços dos terrenos e do imobiliário por forma a reduzir o potencial de receita do Estado. Por fim, a habitação é a principal garantia que os bancos têm quando concedem crédito. Uma medida que iria certamente pressionar os preços do imobiliário podia precipitar algumas falências desse setor e prejudicar a solvabilidade da banca portuguesa.
Recomendações da Semana
Land is a Big Deal, Lars Doucet - Este livro entra em detalhe sobre o Georgismo e o IVT. Para quem não tiver tempo para ler, mas tiver interesse, pode ler os artigos escritos pelo autor para o Astral Codex X onde explica também em bastante detalhe o raciocínio económico e consequências da medida.
Was This $100 Billion Deal the Worst Merger Ever?, The New York Times - Em 2016 a AT&T, gigante das telecomunicações americanas, avançou para a aquisição da Time Warner. O que se esperava que fosse um bom negócio, tornou-se numa das piores aquisições da história.
Advice That Actually Worked For Me, Nabeel Qu - Provavelmente o melhor artigo sobre produtividade que já li. Muito simples e fácil de aplicar.