Os mercados não funcionam assim
O deputado CGP acha que o Alojamento Local e a habitação de luxo não podem ser a causa por trás da subida dos preços da habitação porque são uma fração do mercado. Mas os mercados não funcionam assim.
Numa intervenção parlamentar já há uns meses, o deputado da Iniciativa Liberal, Carlos Guimarães Pinto (CGP) defendia que o alojamento local e o investimento imobiliário de luxo não podiam ser a principal causa para a subida dos preços do imobiliário em Portugal.
Apesar do argumento central do deputado estar correto (o problema da habitação é a baixa Oferta), a desconsideração do impacto da Procura de luxo na capital lisboeta foi feita com base numa premissa errada: que os preços se relacionam de forma linear com os movimentos da Procura e Oferta.
Segundo ele, como este tipo de habitação era uma percentagem demasiado pequena do mercado, não podia ser responsável por uma subida tão significativa dos preços. Mas os mercados não funcionam assim.
A Teoria do Valor do Trabalho
Na segunda metade do século XIX, a ideia vigente era de que o valor dos bens e serviços produzidos dependia do custo do trabalho necessário para a sua produção.Esta visão ficou particularmente associada a Karl Marx, tendo servido de base para o nascimento do comunismo (se todo o valor vinha do trabalho, porque é que o seu resultado ia para os detentores de capital?).
No entanto, Adam Smith e David Ricardo, economistas associados à ideia de mercados livres, partilhavam a mesma opinião. Como sabemos hoje, esta teoria é falsa. Aquilo que Marx e os restantes economistas clássicos ignoraram foi o papel do empreendedor. Sem ele, a capacidade de trabalho é inutilizada.
Adicionalmente, a teoria do valor do trabalho ignora completamente o papel das preferências dos consumidores. Não importa quantas horas de trabalho demoram para produzir um bem, se ninguém o quer, não tem valor.
Revolução Marginal
Foi no fim do século XIX que os economistas começaram a repensar o que define o valor dos bens e serviços produzidos. Walras e Jevons chegaram à conclusão que não era o trabalho necessário para produzir um bem que lhe dava o seu valor, mas o custo de produzir uma unidade adicional (o custo marginal).
Do lado da Procura, também se concluiu que o valor de um bem ou serviço, depende da utilidade que este tem para o consumidor. Naturalmente, quanto mais um consumidor consome um certo produto, menor a utilidade que este deriva de cada unidade adicional, nascendo o conceito de utilidade marginal.
A maior parte dos preços derivam da relação entre estas duas variáveis, custo e utilidade marginais. Se a utilidade for superior ao custo marginal, os produtores vão produzir essa unidade. Quando a utilidade marginal é inferior ao custo marginal essa unidade adiciona não é produzida.
Este movimento intelectual ficou conhecido como a Revolução Marginal e é provavelmente, o desenvolvimento mais importante na história da microeconomia. A teoria abriu o caminho para ideias importantes como a elasticidade da procura e oferta (a sensibilidade de ambas a mudanças de preços), mas está também na origem da ideia de redistribuição de rendimento.
Se ter muito de um bem baixa a sua utilidade, podemos transferir dinheiro dos mais ricos para os mais pobres, aumentando o bem estar social. Se as pessoas mais pobres têm um consumo marginal maior do que os mais ricos, essa transferência vai resultar em mais crescimento económico. Win-win.
Eletricidade
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, era responsável por fornecer cerca de 10% das necessidades energéticas da União Europeia. Seguindo o raciocínio de CGP, um boicote ao gás natural russo devia levar a uma subida de cerca de 10% dos preços. No entanto, os preços da eletricidade na Alemanha subiram de cerca de 150€/MwH para 700€/MwH, uma subida de 370% no período de seis meses.
Isto não faria sentido se os mercados fossem lineares, como sugere CGP. No entanto, faz todo o sentido do ponto de vista marginalista. A eletricidade é um bem essencial que tem muita utilidade para os consumidores. À medida que o gás desapareceu do mercado, a possibilidade de apagões fez com que a disponibilidade para pagar disparou.
Como o custo marginal para manter o mesmo nível de oferta aumentou significativamente, os preços do gás dispararam. As centrais elétricas que usavam gás para gerar eletricidade tornaram-se, do dia para a noite, os produtores marginais, ou seja, os produtores com o custo marginal mais alto.
Como o preço de mercado é determinado pelo produtor da última unidade produzida, os preços do mercado da eletricidade dispararam. Mais uma vez, isto só é possível devido à especificidade do mercado da eletricidade: essencial, difícil arranjar novas fontes de fornecimento no curto prazo e ter a capacidade para as processar.
Foi esta estrutura que permitiu que os Governos português e espanhol impusessem um teto ao preço da eletricidade de 150€/MwH sem reduzir a oferta. Como todos os produtores de eletricidade além do gás não tinham visto os custos subir, o teto não os impediu de ter lucros significativos, cujos impostos serviram depois para compensar os produtores que usam gás.
Imobiliário
O mercado do imobiliário tem características semelhantes ao mercado da eletricidade, no sentido em que é um bem essencial. Todos precisamos de um teto para viver, mais até do que de eletricidade. No entanto, a oferta de imobiliário não é tão volátil como a oferta de matérias-primas, mas as dinâmicas são semelhantes.
Adicionalmente, a Oferta também demora tempo a reagir a mudanças de preços em situações normais e é altamente constrangida por motivos institucionais, qualquer aumento da Procura vai resultar numa forte subida dos preços. Isto acontece porque a utilidade marginal dos últimos compradores (os investidores de luxo) é mais alta e como tal, também a disponibilidade para pagar.
Em segundo, porque o custo marginal para satisfazer essa procura também é superior. As casas procuradas pelos investidores estrangeiros são tipicamente em zonas mais caras, construídas com melhores materiais e recurso aos melhores arquitectos.
Tudo isto desvia recursos do mercado “normal” para o mercado de luxo. A combinação destes dois fatores faz com que o preço suba muito mais do que o incremento da Procura. Como mostram os censos, a população residente em Lisboa até caiu na última década, o que não impediu os preços de disparar.