O Natal em Setembro
No regresso da política das férias do Verão, o partido do Governo avançou com uma série de medidas com a intenção de fixar a geração mais qualificada de sempre em Portugal. Vai resultar?
A semana passada foi marcada pela reentrada política do PS que, em resposta ao PSD, anunciou uma série de “presentes” para os jovens. O objetivo das medidas é político, recuperar o eleitorado jovem do PS, e económico, manter a geração mais qualificada de sempre em Portugal.
Vou aprofundar apenas as medidas mais sonantes e com mais impacto mediático, no entanto, convém lembrar que este Governo é perito em anúncios de grandes medidas, que acabam por ser diluídas à medida que chegam ao Parlamento, resultando numa versão homeopática do que foi inicialmente anunciado.
Não vou falar do impacto orçamental porque Portugal deve acabar 2022 com um défice quase nulo e tem tido dos menores défices da UE há já alguns anos. Como tal, há espaço para gastar dinheiro sem pôr a redução da dívida em causa. Ainda assim, será que esta é a maneira certa de gastar esse dinheiro?
Devolução das Propinas
A devolução de propinas consiste, na devolução de um ano de propinas, cerca de 700€, por cada ano trabalhado em Portugal, até à devolução do custo total do curso. A devolução também abrange mestrados com um tecto de 1500€ por ano.
A ideia por trás da devolução é superficialmente correta: se baixarmos o preço da educação, vamos permitir um maior acesso ao ensino superior e resolvemos o problema crónico de baixas qualificações da população portuguesa, ao mesmo tempo que se dá um incentivo para reter talento, visto que só quem trabalha em Portugal recebe a devolução.
No entanto, esta ideia é uma falácia. Não é por causa das propinas que as pessoas não vão para a Universidade. A principal razão é a poço educacional que existe entre ricos e pobres, o que resulta em que só 10% dos filhos das pessoas menos qualificadas vão para a Universidade.
Em segundo lugar temos o problema da habitação. Um quarto de 300€ por mês (uma fantasia em Lisboa), representa mais de 5 vezes o valor das propinas. Ou seja, a devolução acaba por ser um subsídio aos mais ricos sem aumentar o acesso aos mais pobres. O incentivo para fixar os mais jovens em Portugal faz sentido, mas é insignificante. Não é por 700€ anuais que alguém emigra.
Outras críticas parecem-me descabidas. A primeira é que se a propina deixa de ser uma taxa e é devolvida, então no fundo é um empréstimo e como tal, deve ser devolvido com juros. Isto é tecnicamente correto, mas parece-me mesquinho ter uma redução superior a 90% do custo da Universidade e dizer que não é bom não pagam juros.
A segunda crítica prende-se com a burocracia. Para quê pagar para depois receber de volta? Para isso mais vale acabar com as propinas, não? Não. Reduzir as propinas para zero é retirar fundos às Universidades para investirem no serviço público. Numa época de cativações, tirar esta autonomia financeira a empresas públicas é a receita para o desastre, mas mais sobre isso à frente.
IRS Jovem
Na minha opinião ainda que o principal fator para a saída de jovens qualificados sejam os baixos salários, consequência da baixa produtividade da nossa economia, os impostos contribuem para a questão. Apesar do nível de impostos em Portugal estar perfeitamente dentro da média europeia, estão mal distribuídos.
Um estudo recente da OCDE mostrou que Portugal é dos países onde mais se beneficia o capital face ao trabalho, em termos fiscais. Como tal, eu sou a favor de uma progressão mais suave do IRS (quem recebe mais de 3000€ não é rico) acompanhado do englobamento obrigatório de rendimentos que são taxados autonomamente a 28% ou mesmo até de um Land Value Tax (o sonho comanda a vida).
Mas em que consiste a medida? No primeiro ano de trabalho, um jovem até aos 35 anos está isento de IRS, no segundo ano de trabalho paga 25% do que seria suposto, e assim progressivamente até ao sexto ano trabalho, em que o IRS será normal. Umas estimativas do Eco mostram que um trabalhador que tenha um salário de 1500€ pode chegar a poupar 7 salários em cinco anos.
Este não é um valor irrelevante, no entanto, que jovem recebe 1500€ brutos no primeiro emprego? Segundo os dados da Fundação José Neves, os trabalhadores entre os 25-34 anos recebem um salário médio de 920€. Mesmo os licenciados entre os 25-34 anos recebem 1060€. Ou seja, a maior parte dos trabalhadores jovens recebe tão mal que já paga pouco ou nenhum IRS e por isso dificilmente será beneficiado.
Não surpreende que o Governo estime que vai gastar apenas 15 milhões com esta medida, precisamente porque abrange tão pouca gente. Ou seja, a medida até podia ser considerada boa, mas vai abranger tão pouca gente que vai acabar por ser irrelevante. Ainda por cima, existe a forte possibilidade de um jovem trabalhador ver o seu salário líquido cair nos primeiros cinco anos de trabalho à medida que. o subsídio é retirado.
Passes Gratuitos para sub-23
Quando escrevi o artigo da semana passada tive uma ideia para um novo artigo, sobre o hábito português de subsidiar a Procura sem aumentar a Oferta. Se eu acreditasse nos astros, diria que o Governo tinha lançado esta medida para eu usar nesse artigo.
Novamente, a ideia é aumentar o acesso dos mais jovens aos transportes públicos que, na minha opinião, já são relativamente baratos. Com 40€/mês temos acesso a todos os transportes urbanos. Quando comecei a trabalhar e andava autocarro, comboio e metro tinha que pagar perto de 100€, uma redução a rondar os 60%.
No entanto, precisamente desde que houve a redução do preço para os tais 30€-40€ começou a notar-se uma degradação dos serviços, que já não eram bons. O que temos hoje são atrasos e avarias constantes, transportes sobre-lotados mesmo apesar do número de pessoas que usa transportes ter caído nos últimos 10 anos.
Quando o Estado reduz o preço, retira autonomia financeira às empresas públicas, estas vêem-se obrigadas a mendigar fundos ao Ministério das Finanças. Se as Finanças tiverem outras prioridades, as empresas públicas não recebem os fundos, atrasam investimento, os serviços pioram e as pessoas usam cada vez menos esses serviços. O problema dos transportes não é o custo, mas a qualidade.
Os transportes públicos são um caso óbvio deste problema, mas há mais. Recentemente o Governo avançou com a gratuitidade das creches, uma boa medida, mas não aumentou a Oferta e como tal, apesar das creches serem gratuitas, não há vagas. Esta é das leis mais básicas em economia. Quando o preço cai abaixo do custo de produção, a procura aumenta e a oferta cai, o que leva a escassez. Pode ser que com a devolução das propinas chegue alguém ao governo que tenha tido atenção a economia.
Conclusão
O Governo anunciou outras coisas que até acho relativamente positivas (uso da rede de pousadas, 4 bilhetes de comboio e um cheque livro), mas que em termos económicos são irrelevantes. No entanto, em geral, o pacote é inconsequente e mostra mais uma vez a fraquíssima qualidade das nossas instituições.
Está estudado que o problema do acesso ao Ensino Superior não são as propinas, mas o Governo não quer saber. A preocupação é a percepção, não o impacto. Esta tendência de lançar medidas teoricamente progressistas que acabam por ser regressivas é muito comum em Portugal. Não é por acaso que um relatório da OCDE estima que os 20% mais ricos recebem 40% das transferências públicas de rendimentos, enquanto que os 20% mais pobres recebem 10%.
Aplica-se exatamente o mesmo à ideia dos transportes. Em teoria, faz todo o sentido. Na prática, sem o financiamento necessário para melhorar o serviço, este só se vai degradar, piorando a vida dos mais pobres que não têm alternativa, enquanto que quem pode (e mesmo quem não pode) continua a ir de carro.
Recomendações
The Secrets of our Success, Joseph Henrich - A premissa deste livro é simples: a sociedade é mais inteligente do que nós. Isto pode parecer contra-intuitivo, mas a pressão evolutiva em conjunto com as ferramentas culturais que a sociedade foi desenvolvendo tiveram um impacto brutal na nossa evolução biológica.
America Has Reached Peak Therapy. Why Is Our Mental Health Getting Worse?, TIME - Apesar de haver cada vez mais gente a procurar ajuda psicológica (o que é obviamente bom), isso não tem contribuído para uma melhoria do bem-estar, antes pelo contrário. Este artigo explora as possíveis razões para tal.
Excelente artigo e concordo a 100% sobre a questão dos transportes públicos. Quando se baixou o valor dos passes para 40 euros, houve de facto cada vez mais pessoas a usar, mas o serviço não mudou. Continuamos dependentes do carro, por isso o preço não é o único problema. Se melhorassem bastante os horários dos transportes, o número de trajetos e de possibilidades, seria uma escolha mais óbvia ir de transportes, mas quando é mais rápido ir de carro, está tudo dito.
A tua análise é interessante pois dá o passo seguinte que é quando uma medida é anunciada, devemos pensar quem é que pode beneficiar dela. Como mostraste, apenas poucas pessoas vão ser beneficiadas e são pessoas que têm capacidade financeira de ir para a universidade. Claramente, não estamos a desenhar o "produto para o utilizador" o que é bastante frustrante.