Porque não subimos o Salário Mínimo para 3000€?
Desde 2016 o SMN teve uma subida acumulada de 55%. Apesar disso, o desemprego não parou de cair. PNS propôs continuar o trajeto, com o SMN nos 1000€ em 4 anos. Mas porque não 3000€? Porque não amanhã?
Na antecipação para as eleições de Março deste ano, Pedro Nuno Santos apresentou no Congresso do PS uma proposta para subir o Salário Mínimo Nacional para 1000€ em 2028, uma subida de 5% por ano. Isto dá continuidade às subidas desde 2016, que tiveram o mesmo ritmo de 5% anuais.
Quando o SMN começou esta escalada, um dos principais receios da oposição e de boa parte dos economistas era que o desemprego ia disparar. Os críticos também tentaram expor alguma incongruência no pensamento do Governo. Se o SMN é tão positivo, porque é que nos ficamos pelas subidas de 5%? Porque não 10%? Porquê 1000€ em vez de 3000€?
O Salário Mínimo e o Desemprego
A relação entre o salário mínimo e o desemprego é bastante óbvia e é explicada por um simples gráfico de procura e oferta. Quando o governo estabelece um “chão” para o preço de um determinado bem/serviço, cria um “fosso” entre a Procura e a Oferta.
Para o preço mais elevado, existe uma Oferta maior do que a Procura. Como o preço não pode baixar em resposta a esse desequilíbrio, o fosso perdura. No caso do mercado do trabalho, esse fosso chama-se desemprego. O triângulo vermelho representa a perda de bem-estar social criada pela ineficiência de mercado.
Como tal, à medida que o chão para o preço do trabalho aumenta, o fosso devia aumentar à medida que o bem-estar social diminui. Isto também faz sentido a nível prático. Se as empresas forem obrigadas a aumentar salários, é natural que, se as vendas não acompanharem essa subida, vão ser incapazes de sustentar estas subidas sem despedimentos.
No entanto, em Portugal aconteceu exatamente o oposto. Apesar do SMN ter subido 55% desde 2016, a taxa de desemprego caiu de 11,5% para os 6,1% em 2022. O que é que aconteceu? Será que a lei da Oferta e da Procura não se aplica ao mercado de trabalho?
O que é visto e o que não é visto
O mercado de trabalho não é um mercado normal. Ao contrário de outros mercados, os trabalhadores mudam o seu comportamento consoante o preço do seu trabalho, afectando outros mercados, inclusive o próprio mercado laboral. Quando o salário sobe, os trabalhadores consomem mais, aumentando a Procura por bens e serviços, o que faz com que outras indústrias tenham que contratar mais pessoas.
Isto é ainda mais verdade quando o país está na ressaca da crise de 2011. Impostos mais altos, cortes na despesa do Estado, ao mesmo tempo que as famílias tentavam pagar as suas dívidas criou um ciclo vicioso de supressão da Procura que afectou as empresas, que tiveram também elas que apertar o cinto com despedimentos, cortes salariais, etc.
A subida do SMN foi uma das alavancas que ajudou a reverter este ciclo vicioso. Se o governo obrigar as empresas a subir salários, que afecta especialmente quem recebe menos, estas vão consumir mais. Foi por isso que o desemprego não subiu. A subida do SMN deu poder de compra às pessoas para consumir mais, o que fez com que as vendas das empresas subissem ainda mais rápido.
Outro argumento importante a favor da subida do SMN são os monopsónios. Ao contrário dos monopólios, um monopsónio é um mercado onde existe apenas um comprador, algo que se aplica ao mercado de trabalho em pequenas localidades. Nestas localidades uma única empresa pode contratar a maior parte da população e por isso não compete contra outros empregadores. Isto pode criar uma dissociação entre o salário e a produtividade dos trabalhadores. O SMN obriga a que não seja assim.
Porque não 3000€?
Tendo em conta o que eu acabei de dizer, porque é que nos limitamos a subir o SMN para 1000€ em 2028? Porque não amanhã? Porque não 3000€? Como tudo em economia, não é linear. Aquilo que é verdade numa situação, deixa de ser noutra.
Neste caso, a conversa muda quando a economia se começa a aproximar do seu potencial produtivo, isto é, quando todos os recursos já estão a ser usados para produzir bens e serviços. Nessa altura, por mais que a Procura aumente, a Oferta não consegue acompanhar porque os recursos disponíveis já estão a ser usados.
Nessa situação, se o SMN continuar a aumentar, o estimulo económico vai ser verdadeiramente artificial. As pessoas vão tentar consumir mais, mas vão perceber rapidamente que os preços estão a subir tanto ou mais do que o seu poder de compra. Ou seja, inflação. A partir desse ponto, o SMN deve subir em linha com o crescimento da produtividade.
Adicionalmente, para um país tão aberto ao comércio externo como Portugal, uma parte significativa do consumo seria direcionado para importações, ao mesmo tempo que as nossas exportações (turismo) ficariam menos competitivas. Isto pode provocar um desequilíbrio da Balança Comercial, na forma de Dívida Externa, tal como aconteceu até 2008.
Salário Mínimo e Salário Médio
Uma das questões que as pessoas constantemente mencionam relativamente ao SMN é que Portugal é dos países em que o SMN está cada vez mais próximo do salário médio. De acordo com os dados da Pordata, o salário médio era de 1143€ em 2022, enquanto que o SMN estava nos 760€. Isto significa que o SMN terá que subir cerca de 50% para chegar ao salário médio, se o salário médio não subir.
Mas qual é o problema destes dois números estarem tão próximos? Em primeiro lugar, se o SMN nos garante um salário perto da média, para quê estudar? Se a divergência entre o prémio salarial para um licenciado para um não licenciado é cada vez mais pequeno, significa que há cada vez menos vantagens económicas em tirar um cursos superior, o que é mau para a economia.
No entanto, isto não me parece um problema do SMN, mas da estrutura económica do país que não consegue absorver o talento que está a criar. Não vejo como é que travar o poder de compra de uma parte da população, especialmente a mais pobre, para manter o prémio salarial de uma licenciatura faria diferença.
Finalmente, também existe a questão da economia paralela que se pode manifestar principalmente nos Recibos Verdes. Se o SMN subir mas as maneiras de lhe fugir se mantiverem intactas, então é possível que a subida do SMN contribua para um crescimento da precariedade.
Conclusão
Em retrospetiva é fácil falar, mas ainda assim, em 2015 não era difícil imaginar um mundo em que subir o Salário Mínimo Nacional pudesse contribuir para o crescimento económico e para a redução da pobreza. Como tentei explicar, quando a economia está longe do seu potencial, aumentar o consumo através de aumentos salariais é uma forma fácil de a aproximar desse potencial.
No entanto, se era fácil prever este resultado em 2015, daqui para a frente os desafios são maiores. Com um desemprego mais baixo e cada vez mais dificuldade para encontrar trabalhadores, as empresas podem ter que começar a aumentar preços para fazer face à subida do SMN. Mas pode ser que não.
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